Almoço inesquecível

Daniel Peccini

floyd@ee.pucrs.br

Sujeito simples, morador da grande Porto Alegre e meu colega de estágio, Lindomar pensa basicamente em três coisas na vida: mulher, futebol e comida. Com as mulheres parece ter sorte. Não é raro vê-lo contar vantagem sobre suas conquistas, forma de aproximação e detalhes técnicos que fazem do indivíduo um ser realmente especial. Qualquer assunto é motivo para fazer uma analogia ao futebol. Quando come demais ele diz:

- O estádio está lotado.

Certa vez, ao encontrarmos uma mulher sem calcinha:

- Tá sem goleiro.

Ou então quando pegou nos peitos da sua namorada pela primeira vez:

- O lateral cruzou a primeira vez, a zaga tirou. Depois tentou de novo e o goleiro saiu bem do gol. Mas na terceira vez o centroavante colocou para as redes.

Foi no almoço de confraternização dos colegas de trabalho que ficamos conhecendo sua verdadeira face. O local era um restaurante chique do alto de um prédio. Empresários e doutores desfilavam pelo ambiente, o som na Rádio Guaíba FM e um buffet que não se enxergava o fim.

A nossa mesa era dividida em duas partes: estagiários para um lado e funcionários para o outro. Os olhos de Lindomar brilhavam. Na verdade os olhos de todos estavam brilhando, mas nós conssguíamos disfarçar bem. Lindomar, meio intimidado no meio de tantas gravatas, resolveu se distanciar do nosso grupo no momento de servir-se. Mas eu, sabedor do que ele poderia aprontar, não descuidei dos seus passos. No meio do buffet, seu prato já estava mais do que lotado. A técnica é a seguinte: fazer uma base de arroz que preenche toda área do prato e depois ir colocando o resto (feijão, carnes, lasanha, salada, etc...) por cima. Na volta para a mesa, Lindomar, passa ao lado do carrinho de sobremesas e avista algo especial. Lá de cima do pote de marshmallow, havia um enfeite: um morango enorme, reluzente e dando sopa. Lindomar não pensou duas vezes, deu meia volta, catou o morango e acrescentou sobre a lasanha. Alí eu começei a temer pelo pior.

Eu tinha motivos. Lindomar começou a questionar a recepcionista sobre o que ela estava comendo.

- É sushi, Lindomar. Quer experimentar?

Ele fazia cara de nojo e dizia que não. Mas continuava de olho no sushi da moça.

- É feito de que? - É arroz, Lindomar. Quer um?

Ele continuava dizendo que não, sem tirar o olho, demonstrando muita curiosidade. Até que não aguentou mais e resolveu enfrentar esta batalha e comer um sushi.

Não recordo de outra cena parecida. Foi quase como a transformação do homem em lobisomem em noite de lua cheia. Parecia que o sushi estava vivo, pois saracoteava de um lado para o outro na boca de Lindomar. Os olhos esbugalhados, a mão sobre o queixo e nada de conseguir engolir. A estas alturas a mesa parou para ver a cena, ou melhor, o restaurante parou. Gritos de incentivos foram escutados:

- Cospe! - Vai, engole! - Vai no banheiro!

Mas ele continuava lutando contra o sushi, como se fosse um demônio que estava sendo exorcisado. Um gole de água e pronto, conseguiu finalmente engolir tudo. Um alívio generalizado no restaurante. Temia-se pelo pior. Eu fui o primeiro repórter a pedir a opinião dele sobre a tal especiaria niponica.

- E aí, Lindomar? - Lá na vila não estou acostumado a comer bolinho de arroz com vinagre.

Tudo parecia normalizado depois do susto. Lindomar foi no banheiro passar um pouco de água no rosto para relaxar. Enquanto isso o garçon passa e recolhe o prato dele. Na sua volta do banheiro, ele questiona:

- Cadê meu prato? - O garçon levou, Lindomar. - Mas era só o que faltava. Eu quero meu prato. Tão me fazendo de bobo? - Lindomar, tu pode se servir de novo. - Não, eu quero meu prato de volta.

E lá foi ele atrás do garçon pedir seu prato de volta, sem sucesso. Voltou indignado ao saber que sua comida tinha ido para o lixo. Então foi para o buffet pela segunda vez. Desta vez seu cardápio foi apenas bife, encheu o prato de carne. Como o episódio do sushi consumiu muito tempo, todos já estavam terminando de almoçar, menos Lindomar que não havia "lotado o estádio", ainda. Começou a pressão para ir embora.

- Vamos Lindomar, come depressa. E ele remando.

Até que uma lampada acendeu sobre sua cabeça. Pegou um guardanapo, extendeu sobre a mesa, e delicadamente (com o garfo) levou um enorme pedaço de bife até ele. Inspirado pelo sushi, fechou a "trouxinha" como se fosse um origami sem a menor vergonha.

Suas últimas palavras, solito na mesa, antes de colocar a trouxinha no bolso e sair caminhando com um sorriso largo no rosto:

- Não sou bobo.