IMPOR COM NATURALIDADE

por Lisie Ane Santos

lisie@camarapoa.rs.gov.br

O neoliberalismo no Brasil foi implantado por nossa elite governamental de maneira planejada, mas, como já era de se esperar, com ares de glória, de forma dissimulada, tratando a questão como "medida inflacionária" quando, na verdade, o neoliberalismo é a doença.

Há um grande cinismo ao tentar-se afirmar que a estabilidade da moeda é a vitória do século . Realmente, a moeda estável é uma conquista, mas a que preço?

As diferenças sociais de ampliaram. Se antes a concentração de renda já estava nas mãos da minoria, hoje, essa minoria é reduzida ao mínimo. Há uma redução das classes sociais. A fusão entre as classes B e C, significa o fim da classe média, provocando um distanciamento ainda maior entre governantes e governados. O Brasil de hoje se divide entre ricos e pobres, sem grandes perspectivas de ascensão.

A era neoliberal significa o fim da microempresa e a formação de grandes oligopólios, controlados por multinacionais. Centenas de microempresários tiveram suas empresas falidas e passaram a trabalhar por alguns salários mínimos. A família inteira precisou brigar por uma vaga no mercado de trabalho, mesmo filhos adolescentes ainda em idade escolar. E há mercado para todos? Não. A microempresa gera empregos e elas já não existem em grande escala. A indústria gera empregos e hoje há uma quebra no aparato industrial. Muito em moda atualmente são os empregos temporários, onde geralmente não há carteira assinada ou qualquer outro tipo de amparo trabalhista. Num mercado saturado, onde não há grandes alternativas, o jeito é aderir.

E o que dizer sobre as múltiplas campanhas, que tentam fazer das privatizações em todos os setores fatores decisivos para o progresso do país? Se essa onda continuar, muito em breve, com todas as nossas riquezas nas mãos do capital estrangeiro, voltaremos à condição de simples colônia.

O povo se ilude. O discurso governamental se resume em dizer que hoje, com a moeda estável, pode-se adquirir mais. É o milagre da estabilidade monetária. Consuma! É a palavra de ordem. Consuma enquanto nós mantemos os juros altos. Pague à prazo. Quatro, doze, vinte e quatro vezes. Leve um e pague três!

Outra inversão de qualquer lógica minimamente racional, imposta pelo neoliberalismo é a tentativa de transferir responsabilidades do Estado para a economia privada. Somos submetidos à cargas de impostos diretos e indiretos que somados consomem, sem medo de exagerar, metade de nossos salários. E ainda temos que pagar por educação, saúde e, mais recentemente, por aposentadoria digna. Qual seria então o papel do Estado? Consertar e construir rodovias? Não. Essas também já foram privatizadas. Erradicar a pobreza, então? Também não. Esse é papel dos poucos cidadãos empregados que "espontaneamente" dão esmolas em sinaleiras, pagam flanelinhas e sustentam assaltantes. A função do Estado, nesse caso, talvez seja construir prédios públicos monumentais e superfaturados e pagar uma dívida eterna que já foi paga, pelo menos, umas três vezes. E quem dirá que isso não é fundamental para o desenvolvimento da nação?

Será o neoliberalismo o fim da história política? Depois disso, só há a salvação divina? Marx estava completamente errado ao afirmar que o comunismo era o destino da humanidade? A vitória da esquerda nas principais capitais brasileiras durante as últimas eleições municipais foi um indício da insatisfação popular com o atual modelo econômico, e talvez esse seja um primeiro passo rumo a inversão da lógica neoliberal. É certo que a esquerda venceu ao mudar o discurso, que girava em torno de teorias políticas, passando a sustentar-se na honestidade. Mas não foi só isso. Talvez tenhamos percebido que há algo errado. Que moeda estável é essa que nos faz pagar um preço alto por ela sem que possamos desfrutar de suas vantagens?

O fato está em que não existe moeda estável sem a geração proporcional de riqueza. Estabilidade às custas de juros altos para atrair capital estrangeiro é ficção, delírio e estagnação. E é sim papel do Estado ocupar-se de nós enquanto cidadãos. Dar-nos saúde e educação digna é função de nossos governantes enquanto administradores de nosso dinheiro. Pagamos por isso e queremos retorno.

A vitória da esquerda nas urnas foi uma conquista esperada por muitos de nós brasileiros. Queremos mais! E quando chegarmos lá, esperamos que nossos então governantes não nos decepcionem. Porque aí sim, talvez só nos reste a salvação divina.