O ADEUS A UM ANCIÃO
por Lucas Gonzaga
Há uns 8 anos, quando comecei a estudar cinema, já se vociferava alto pelos corredores do SENAC: O cinema vai acabar!!! Os mais moderninhos diziam que o filme tinha seus dias contados. Eu custava a acreditar e sempre discutia. Confesso que até hoje ainda tenho um pouco de receio. Mas parece que moviola, película e laboratório irão mesmo se aposentar. Na verdade eu acreditava no cinema, em sua magia, que é muito mais magia do que propriamente realidade, pois na prática trabalhar com filme é muito complicado.
A verdade é que a sétima arte perde muito sem a película. Não quero parecer aqueles velhos escritores que ainda amam suas máquinas de escrever e tratam melhor que suas esposas, até porque estou longe de ser um velho cineasta, muito pouco trabalhei com 35mm, mas a película tem seu glamour, impressiona. As latas de filme que enfeitam muitos de nossos quartos irão para museus e ficarão apenas em nossa lembrança.
É engraçado como temos mania de nos apegarmos a algumas coisas. Teve uma época que virou cult máquinas de escrever, então os escritores que se prezavam deveriam escrever nelas e menosprezar o computador, até hoje muitos desprezam a informática ignorando suas inúmeras vantagens. Tenho impressão que daqui há 20 anos diretores de fotografia contarão para interessados novos cineastas como se trabalhava com película, a alegria do primeiro contato com o filme físico, histórias sobre o saco preto, carregar uma câmera, sobre ASA de filmes. A película, assim como foi a máquina de escrever, será objeto de lembranças felizes, especialmente para os que não trabalharam como assistentes de câmera.
Quer dizer, a memória é seletiva e na maioria das vezes racional. Talvez a nossa razão vá logo agradecer o fim desta tecnologia e se empolgue com uma câmera de vídeo, mas sinceramente não acho que isso vá acontecer.
O fato é que a película não deve durar mais que 5 anos, talvez se arraste um pouco mais em busca de um último carinho, mas o cinema físico está dando lugar a um cinema digital. George Lucas lembra que a película é uma invenção do século 19 e estamos na porta do século 21. A escrita e o áudio já tinham se rendido a avalanche digital, agora é a vez do cinema. A Sony e a Panavision criaram a câmera 24 P Digital HD que dizem ser semelhante, em qualidade de imagem, às câmeras de 35 milímetros. A câmara é muito mais prática, mais barata e mais resistente que uma câmera de cinema tradicional. Foi usada no Episódio 2 de Guerra nas Estrelas, espero que ela faça mágicas também para que o filme não fique tão ruim como o Episódio 1.
As economias com o novo sistema se multiplicam: gastos laboratoriais, número de cópias, fabricação de latas apropriadas, frete com transportes, seguro, etc. A economia com distribuição pode chegar a 80%. Podendo até ser mais com a transmissão dos dados via satélite, além de evitar um problema das superfícies físicas que é a perda de qualidade em cada cópia.
A primeira palavra que todos colocam é democratização. A arte digital permitiria que muito mais pessoas fizessem filmes a custos mais baratos. O que não deixa de ser verdade, ainda mais num país como o nosso, mas parece uma simplificação preocupante. Obviamente que os detentores da tecnologia são os controladores econômicos do cinema mundial. Dificilmente eles entregarão de bandeja: "Ó... façam muitos filmes aí no terceiro mundo e divirtam-se". E se utilizar de qualidade DOGMA acho que está longe de ser a vontade da maioria dos cineastas. A questão é um pouco mais complicada. Paira também sobre o ar, principalmente sobre a imprensa que está longe de conhecer o assunto, que ficará muito barato fazer cinema, o que está longe de ser verdade.
Quantos terão a tecnologia e por qual preço?
Pergunta que só poderá ser respondida com o tempo. De certa forma vamos ficar torcendo para que os chineses descubram a tecnologia. Assim poderíamos comprar uma câmera HD nos camelôs no centro de Porto Alegre, aí sim a produção seria democrática.
Embora não se saiba quando e quantos realmente poderão ter o melhor da nova tecnologia, hoje muitos já começam a fazer seus filmes em câmeras Mini DV. Embora a qualidade ainda deixe a desejar, a praticidade e o preço compensam e satisfazem a vontade de um número enorme de pessoas que acreditam num sonho quase cego de se viver de cinema num país como o Brasil.
Mesmo que todo o processo envolvendo a película seja bem complicado, acho que conhecê-lo da maneira tradicional sempre será uma vantagem, a medida que novas gerações conhecerão cada vez mais só o computador. Na era da informática cada vez mais se estuda um pedaço, aperfeiçoa-se em especificidades. Aprende-se a mexer em um programa de edição e não se aprende a conhecer o processo como um todo. A maquinização do homem lhe deixa preparado só para exercer sua função e isso lhe retira muito do poder de improviso, de criatividade e de possibilidade de novas soluções aos mesmos problemas. Parece um pouco maniqueísta, mas em última análise lhe tira um pouco da inteligência.
Quem sabe também sobre algum dinheiro para que os filmes no Brasil possam pagar melhor os técnicos e investir um pouco em propaganda.
Para acabar, não vou fazer aquele velho discurso que no fim sempre vence o talento, blá, blá, blá. Acho que pelo menos vai ser uma chance para quem as vezes fica 10 anos tentando fazer um curta em 35mm.