Cadelão
Dalton Rodrigues*
1. Tarde da noite, a mulher procura o carro no estacionamento do super. Alguém a segue. Ela apressa o passo, o coração apressa o ritmo. Nem um nem outro adiantam, o negro a alcança e a derruba ao chão. Não grita que eu te mato. Calada, com lágrimas nos olhos, ela se resigna a sentir o peso do corpo, a penetração violenta, o bafo quente do negro maldito. Nojo, desespero e dor.
Chega em casa tremendo, o penteado desfeito, as roupas rasgadas. O marido a abraça, ela chora. Mas, à noite, entre sonhos, ela geme dormindo:
– Isso, me fode, me fode mais, Cadelão!
2. O marido pega o trinta e oito, sai de casa sem avisar. Vai até o estacionamento do super e encontra o negro à espreita de outra presa. Agora que tu morre, vadio. Morro nada. Eu sei do que tu gosta. E coloca as mãos imensas sobre os ombros frágeis. O braço treme, o revólver cai ao chão.
Chega em casa tarde da noite, a mulher preocupada. Onde você foi? Psiu, não foi nada, dorme, amanhã eu explico. Deixa o revólver sobre a mesinha. As pernas ainda moles, as mãos ainda tremendo, a nuca ainda arrepiada pelo bafo quente e sedutor.
3. Doze aninhos, e a mais sapeca da turma. Avisaram que todos devem voltar para casa em grupo, pois o perigoso estuprador Cadelão foi visto nas proximidades da escola. Ela nem liga, fica brincando no pátio, se atrasa. Quando vai ver, as coleguinhas todas já foram. Está anoitecendo, ela apressa o passo. De repente, um barulho, um beco sem saída. No muro à sua frente, cresce aos poucos a sombra imensa de um homem ameaçador, e ela grita. Mas baixinho, para que ninguém ouça.
4. A tevê de vinte polegadas e som estéreo dá a notícia: finalmente morto o perigoso facínora Cadelão. Doze balas, tiroteio com a polícia. Pai, mãe e filhinha se entreolham, em mútuo e mudo reconhecimento. Ninguém sorri.
– Que bom que finalmente pegaram o negrão fiadaputa. – diz o pai, depois de vários minutos.
*P.S. "Dalton Rodrigues" é, na verdade, Nelson Trevisan.
tomtom4now@yahoo.com Reza a lenda: Um espirro é um orgasmo mil vezes menor.
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