“NO HABRA MAS PENAS NI OLVIDO”por Tomás Creus |
1) Embora tenha vivido a maior parte da vida no Brasil, eu nasci na Argentina, em Rosario mais especificamente (cidade-irmã de Porto Alegre, por sinal). Tenho ainda muitas memórias ligadas diretamente ou indiretamente ao país platino, e minha bagagem cultural seria muito mais pobre sem Borges, Cortázar, Piazzola, Quino, Maria Elena Walsh, etc. (sem falar em Maradona e na Copa de 86, na qual torci pela Argentina…) - e é por essas e outras que a atual crise me afeta de modo pessoal. É quase engraçado ver como a mesma política econômica de atrelamento ao dólar que cinco anos atrás era matéria elogiosa da Newsweek agora é criticada como um grave erro pelos mesmos economistas. Evidentemente, só o que eles levavam em conta nos seus cálculos, então como agora, é o contentamento dos investidores. E o povo argentino? Bem, um economista entrevistado na BBC explicou num longo monólogo que pode ser facilmente traduzido para o português em três palavras: "They are fucked." A solução? Fazer como no poema do Manuel Bandeira, e dançar um tango…2) Por falar em Argentina, aqui, em "comemoração" (é o termo que eles usam) aos vinte anos da patética Guerra das Malvinas/Falklands, passaram alguns documentários sobre o assunto. Não tem coisa que inglês goste mais do que documentário sobre guerras que eles venceram: sobre a Segunda Guerra Mundial tem, juro, pelo menos um por semana, sempre. Em todo caso, o conflito (que, no fim das contas, foi apenas uma tentativa de popularizar dois governos impopulares, a ditadura militar argentina e a Thatcher) foi praticamente esquecido pela maioria da população daqui. Já o gol da "mão de Deus" do Maradona ainda gera ressentimentos...
3) E o Brasil? Estou voltando para aí muito em breve, talvez já esteja aí quando você esteja lendo isto, e as notícias lidas ultimamente (como parte de um processo de preparação psicológica) não são das mais alegres: a Cássia Eller morta, a Soninha demitida for dizer que fumava maconha (aqui com as novas leis está quase liberado o uso), o FHC insultando os professores, um navegador neozelandês assassinado, o Washington Olivetto sequestrado, a Roseana como provável futura presidente, a Veja recusando anúncio do Mix Brasil e - quando eu imaginava que ao menos Porto Alegre estaria a salvo de sequestradores malucos suicidas - acontece esssa história no lotação...
4) Livros dos mais bacanas que li ultimamente: "Jimmy Corrigan", do americano F.C.Ware. Não sei se já publicaram aí. Na Inglaterra ganhou o prêmio de Livro do Ano do jornal The Guardian, o jornal mais sério que tem por aqui. O livro é uma história em quadrinhos, certo, mas é muito mais do que isso. A maioria das histórias em quadrinhos ditas "adultas" se chamam assim apenas porque tem mulher pelada no meio. Não é o caso do "Jimmy", que tem uma história brilhante, tocante, e usa de uma inteligência narrativa inusual. Como disse o New York Times, é a melhor utilização já feita do meio. Os desenhos são ótimos, a prosa, nas sequências em que é utilizada, é pura literatura, e tudo é enriquecido com diagramas ultra-complexos e imagens que são ao mesmo tempo seqüenciais e peças de um quebra-cabeças. Olha, não sei, mas talvez daqui a dez anos vire o "Cidadão Kane" dos quadrinhos: isto é, uma obra que mudou completamente o modo como são pensadas e criadas as histórias. Pode ser que não, claro, mas em todo caso é uma leitura a recomendar.
5) Coisas de Londres que vão me fazer falta:
- Os vários idiomas diferentes ouvidos a qualquer momento, em qualquer lugar;
- A vista do Waterloo Bridge;- O National Film Theatre (NFT);- As dezenas (ou serão centenas?) de parques;
- Poder estar no ônibus, metrô ou filas de banco usando uma peruca roxa e um chapéu ridículo sem que ninguém fale ou mesmo olhe para você.
6) E coisas que não:
- O custo de vida altíssimo;
- Esperar o "night bus" por duas horas;
- Os tablóides;
- A família real;
- Poder estar no ônibus, metrô ou filas de banco sendo esfaqueado por um hooligan sem que ninguém fale ou mesmo olhe para você.
Tomás Creus