O DESTINO. E DAÍ?
por Carlos Gerbase

Fui ver “O quarto do filho”, Palma de Ouro em Cannes, recomendado por todos, pensando que se tratava de um melodrama inteligente, tipo assim um vale de lágrimas recauchutado pela esquerda. Não achei inteligente, nem vale de lágrimas, nem recauchutado, nem de esquerda. Não achei quase nada. É um filme meio chatinho, que pretende abordar o destino (e a dor da morte de uma pessoa querida) de modo sutil, mas que não consegue encontrar a intensidade emocional adequada. Tem muita gente chorando para um filme que se pretende sutil. Quando o psiquiatra começa a soluçar ao ouvir o relato de um paciente sobre a morte de alguém na família, comecei a rir, até que percebi que eu era o único a achar graça e estava perturbando a sessão.

Há, contudo, um diálogo muito bom. O paciente com câncer no pulmão conta que está decidido a enfrentar a doença com positividade e esperança. O psiquiatra diz que muitos pensam que esta boa disposição do doente é meio caminho para a cura. O paciente então, todo animado, pergunta o que o psiquiatra acha disso, e ele diz que não concorda. Acha que um médico e os remédios certos podem salvar a vida de um doente que não faz a menor questão de viver, assim como um paciente que enfrenta o mal com todas as forças simplesmente morre, e rapidinho, se a sua doença é incurável. Resumindo: ninguém escapa ao seu destino. O que é um lugar-comum, mas nunca na boca de um psiquiatra.

Esse diálogo não salva o filme, mas pelo menos me animou a escrever essa matéria pro Não. E a pergunta que faço é a seguinte: por que esse filme fez tanto sucesso, a ponto de ganhar a Palma da Ouro? Não há grandes atuações, o conteúdo é banal, a trama é mais que previsível. Não me surpreenderia se a Glória Perez usasse a idéia básica (uma família destruída pela morte inesperada de um dos filhos) para uma novela da Globo. Minha hipótese é a seguinte: esse tipo de filme - do qual “O caminho de Kandahar” é outro exemplo - é uma espécie de “mea-culpa” da classe cinematográfica e dos cinéfilos intelectuais de carteirinha. O pessoal está elevando à categoria de obras-primas filmes que não passam de melodramas rasteiros, mas politicamente corretos, que se opõem radicalmente ao cinema pré-fabricado e desumanizado de Hollywood (que, é claro, também está nos enviando montanhas de merda).
Tá certo, esse “O quarto do filho” é bem melhor que “O caminho de Kandahar”, até porque este último tem um final débil mental, enquanto o do primeiro tenta e quase consegue ser poético, mas eles são muito parecidos num certo ar politicamente correto que é muito irritante. Não vou citar títulos para não cometer injustiças, mas tenho certeza de ter visto filmes chineses recentes - também multipremiados - com essas mesmas características. França, Irã, China... e chegamos ao Brasil. O que mais me desgostou em “Bicho de sete cabeças” foi justamente essa necessidade de ser engajado, de dar o recado de acordo com a cartilha. A cena em que um médico pede para que a polícia mande uma meia dúzia de mendigos para completar a lotação do hospital (e assim garantir mais verbas) é de um didatismo constrangedor. Me senti um aluno do primeiro ano do primeiro grau à frente de uma professora que me acha um débil mental, em vez de me tratar como uma criança comum.

Esse tipo de cinema, que assume um ar professoral, que quer distanciar-se de Hollywood erguendo o nariz e dizendo “Eu sei a resposta”, é muito chato. Tão ou mais chato que as baboseiras hollywoodianas. Cinema é pra incomodar, pra perguntar, pra confundir (sei que vão me chamar de Bia Werther, mas garanto que não me filiei ao cinema de desconstrução; sou quase um velho estruturalista).

Querem ver um filme que vai mais fundo na questão da morte em família que este “O quarto do filho”? “O mapa do mundo”, com Sigourney Weaver e Julianne Moore. Foi feito em Hollywood, mas é melhor. Querem ler algo mais interessante quanto ao destino, à dor e à infelicidade? Sou mais Édipo Rei e Antígona. Foram feitos na Grécia, mas são melhores. Querem ver uma matéria pro Não escrita mais em cima da perna do que essa? Vai ser difícil. Fiz o que pude, como diria um bom psiquiatra ao ver que seu paciente depressivo finalmente se suicidou.
 

Carlos Gerbase


 
 

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