Meus últimos momentos no WTC ou
Santa Burguesia

por Lulit


Como habituée da cafeteria das torres gêmeas (Sai, perua!) no ano passado achei que tivesse armado o maior barraco em seus subterrâneos, o que parece agora um ínfimo grão de areia em um mar de sangue. Mas por que eu freqüentava o café? Porque sou viciada em capuccino, para espantar o frio e porque o metrô parava ali para fazer compras na Século Vinte e Um (outlet urbano com ótimas e acessíveis mercadorias para a brasileirada). Agora o prédio está condenado e ninguém nunca mais entrou nele pois era em frente às torres. Muitos orientais também freqüentavam a loja.

Mas naquele dia eu mais meu marido Oscar (o nome dele é Loscar, mas ele não gosta) fomos juntos de metrô para as torres. Ele pra comprar discos e livros (além do café tinham boas lojas lá em baixo) e eu pra comprar uns basics ali mesmo e alguns brinquedos. Nunca deu certo fazer compras com o Oscar e este dia não foi exceção. Eu disse: Oscar, eu vou entrar nesta loja, não vou demorar, mas eu não quero tu me olhando. Vai naquela tabacaria e depois me pega aqui. Combinado? Combinado. Comprei duas camisetas, duas calcinhas e duas meias. Levou dez minuto, no máximo. Passaram-se vinte minutos. Meia hora. Uma hora. Mas cadê o Oscar, meu Deus? Eu vou matá-lo. Aqui em NYC é fácil matar e sumir com o corpo. Vou contratar alguém que faça este tipo de negócio. Não, ele é o pai das minhas filhas e eu devo procurá-lo. Infeliz. Procurei por todo o andar subterrâneo, fui na rua, na cafeteria, na livraria, na loja de discos. Comecei a pirar. Com minha tradicional paranóia, pensei: a CIA sabe que o Oscar fez campanha política de esquerda lá no Brasil. Eles pegaram o Oscar e vão mandá-lo para aquela prisão lá perto de Cuba. Como é mesmo  o nome? Guantanabera, Guacamole ou Guantamano? Bom, a esta altura decidi falar com a segurança do prédio, pois já estava quase chorando, não sei bem por quê, talvez síndrome da ditadura. “My husband Oscar, tall, thin, long hair, black shirt, has desapeared”. Olhei junto com eles o circuito interno de TV e nada. Levei os seguranças (bonitos estes seguranças de Nova Iorque. Será que sobreviveram?) até o banheiro masculino e eles entraram berrando Mister Oscar, Mister Oscar. O Mister não estava no mictório. Nem em lugar nenhum. Thank you. Sorry, não podemos mais fazer nada. Procure a central de polícia.

Bom, o que me resta? Vou ligar para meus amigos daqui para ver o que faço. Já não sei mais o que pensar. Quando eu me aproximo dos telefones públicos, olho de relance para a loja e lá está o Oscar, sentado num banquinho, serenamente lendo um livro, em uma outra entrada. Ele havia errado a porta. Desgraçado. Tu não viu que passou uma hora? Tu não levanta esta cabeça do livro? Mas tu sempre é tão demorada nas compras, querida. Eu não gritava, mas estraçalhava em bom português o Oscar.
 

Fomos tomar outro capuccino pra eu ficar ainda mais irritada. O garçom paquistanês que nos atendeu me acalmou um pouco com seu olhar sofrido e suas perguntas óbvias. Pelé? Não conheço Pelé nenhum. Era este o meu humor. E o Osama lá da nossa terra, você conhece? Também não conheço. Cala a boca e traz meu capuccino. Turbinado ou normal? Turbinado.

Lulit


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