Peru de Natal

Maitê Proença





Tarde ociosa, almoço regado a cerveja, batendo perna com uma amiga, passamos em frente a uma loja de artigos sexuais. Sex shop. Bonecas infláveis, roupas de enfermeira, de colegial, calcinha cortada no meio e uma batelada de objetos que eu não fazia idéia de como ser utilizados. Para o sexo, digo. Minha amiga, grande conhecedora, quis entrar. Para me esclarecer. Não que eu seja uma inocente no assunto, aos 40 ou você é bem resolvida sexualmente ou dificilmente será. Considero-me da turma que já se entendeu com a matéria. Mas sou do tipo que tendo um homem apaixonado que eu adore, a proa do barco já está naturalmente direcionada para a alegria e o prazer.

No entanto a curiosidade... Entramos.

Um outro mundo. Detive-me de forma concentrada no setor de "paus". Eram muitos, de todos os tamanhos e cores. Finos e longos. Grossos e brancos. Negros com bolas. Com pelos, sem pelos. Só o pau sem bolas com vibrador, sem vibrador. Uma infinidade de pirocas para gostos variados. Fiquei olhando aquilo com interesse quase científico que minha amiga interpretou como - uma falta inconsciente, um buraco na minha vida sensorial: faltava-me um pau de plástico!

"Nunca se sabe, Maitê, num momento de carência, pode jogar um bolão. Você dá um nome pra ele, vai se afeiçoando, se identifica". Pois eu havia me identificado com um membro que parecia mesmo ter a ver comigo. Branco, caucasiano como eu, um tamanho bom, um pouco grande talvez, mas maleável, enfim simpático. Levei para casa. E deixei num canto qualquer. Dias depois me lembrei daquele troço que não podia ficar jogado por ali, a empregada podia deparar com ele – afinal nem tinha nome ainda, nem nada... Desembrulhei. Quando vi a coisa fora do contexto, fora da loja que era cheia daquelas coisas!... Ele era enorme! Eu sou pequena. Era uma aberração. O que eu pensava que ia fazer com aquilo?

Não tinha como jogar no lixo. Os meninos da limpeza do prédio podiam ver. O lixeiro podia perguntar de qual apartamento havia saído... Muito bem. Escondi. Dentro de uma bolsa que também não usava há anos.

Pois há uma criatura que presta serviços de organizadora na minha casa. Organiza tudo, de álbuns fotográficos a calcinhas no armário. Faz tudo conversando muito. Passo por ela e puxo um assunto, ela interage sem perder o fio da meada nem da arrumação nem da conversa. Só uma vez vi a Zeca desarticular-se. Entrei no quarto e ela lá abrindo e fechando bolsas. Colocava as alças para dentro e recolocava no armário por ordem de cor e tamanho.De repente uma pausa. O corpo dela deu uma meia trava. Parecia ter deparado com uma tarântula peluda.

"O que foi Zeca?" Ela me olhava fixamente sem dizer nada. "Fala mulher, o que te deu?"

Zeca reabriu a bolsa que havia fechado abruptamente (para não sair a tarântula talvez) e tirou de dentro... Pois é. Estava imenso, parecia ter crescido durante o período de hibernação.

"Maitê, eu arrumo esse armário faz muito tempo e isso está aqui há 3 anos. Você não usa. Olhe só, está novo, na mesmíssima posição que sempre esteve. Nós podemos dispor disso não acha? É péssimo feng shui ter certas coisas em casa e não usá-las". Ela balançava a certa-coisa no ar como se eu já não a tivesse visto perfeitamente.

"Você tem razão. Não uso mesmo. Não tem como usar, certo? Me dá isso aqui que eu sei perfeitamente o que fazer com ele, coitado". Nem nome eu dei. Bob, Fred, Cleôncio… deixa pra lá, agora é tarde.

A época era de Natal.

Embrulhei o Fred (achei que ao menos para a despedida merecia ser batizado). Pois embrulhei bem bonito numa caixa com laço e enviei para uma amiga com um cartão escrito – Seu Peru de Natal.

Recém casada, ela preparava uma ceia para a família de ambos os lados. Iam se conhecer todos. A noite era importante para a harmonia futura do casal, das sogras, sogros, filhos e tudo o mais. Nada mais apropriado, havia pensado, que uma data como Natal... Atarantada com a organização da festa recebeu o embrulho e deixou por ali para abrir com calma mais tarde.

O marido para agradar os filhos dela que eram pequenos e o dele que passava finais de semana, havia há dias comprado um lindo cachorro de 4 meses todo branco e peludo. Uma graça.

O jantar corria magnificamente. Velas na mesa, comida perfeita, talheres de prata, flores e uma certa cerimônia ainda entre as famílias que começavam a se conhecer naquele clima de gente "bem" quando quer impressionar e não relaxa.

Pois lá pelas tantas nosso cão ártico muito lindo e lampeiro entra na sala da ceia. Centro das atenções, pula muito e abana o rabão numa deliciosa demonstração de alegria canina.O melhor amiguinho do homem. "É apenas um puppy, que fofo", dizia a sogra de minha amiga. "Mas o que é aquilo que ele tem entre os dentes?"

Um constrangimento! Minha amiga quase faleceu.

A única outra mulher da casa, era a filha dela que tinha cinco anos de idade. Todos os olhos portanto se voltaram para minha amiga, que, perplexa, não sabia explicar como aquele "osso" (pobre Fred) havia ido parar ali.

Moral da estória:

Na intenção de fazer uma brincadeirinha, eu escangalhei com a noite, a reputação, e por fim o casamento de minha amiga. Porque, eu não sabia, mas a relação do casal já não andava grandes coisas e o marido achou por bem tomar aquilo como uma insinuação. Na mesma noite, fez as malas dela, com a delicadeza que os homens têm ao sentirem-se atacados em sua virilidade, e colocou-a na rua.

Portanto e por fim, uma sugestão:

Amigas, peru de Natal como presente, só aquele que faz glu-glu. Mas para quem, após esse relato ainda considera ter o seu próprio pau de plástico, um conselho: É como calça jeans. Se você experimenta e avalia pelo espelho da loja, se acha linda, esguia, poderosa! E compra aquele jeans que vai te atochar e que você não vai conseguir usar. Portanto fique atenta na hora de adquirir seu exemplar. Olhe-se antes, perceba-se e adquira o que te serve confortavelmente. Como se fosse aquele james-jeans antigo, bom e para todas as horas, de todas as batalhas. Assim também com os paus, esse é o perfeito. Tanto para os de plástico como para os que vem com um homem atrás atrelado em carne e osso.