(...) Cristiane Lisboa
Agora mesmo, no exato momento em que o ponteiro grande do relógio branco com a Santa Ceia ao fundo que fica na sala parou ao lado do número 3 e o médio no 12 eu sei onde tu estás. Tomando café e se deliciando com aquele chocolatinho que vem de brinde. Usando anéis só pra ficar brincando com eles enquanto ouve alguém falar sobre o último filme que viu. Sorrindo enquanto pede pra te acenderem um cigarro. Reclamando da falta de sol. Usando sapatos baixos. Dirigindo mal, rápido e com vidro arriado. Dando conselhos. Comendo ceasar salad só porque gosta do nome. Camisa branca e cabelo preso. Rezando pelo fim das guerras.Achando que não tem mais idade para usar fivelinhas de cabelo e mesmo assim usando. Ficando magoada. Carregando um livro puído. Estudando fotografia. Lembrando que afinal, Deus não tem culpa de nada. Esquecendo de amar. Três regimes abandonados. Dois pensamentos provocando dor de cabeça e uma sensação de que não dá mais tempo.
Já amanhecia quando eles trocaram o último abraço. Tão protocolar, gargalharam. Estavam na praia e ela contou sete ondas antes de jogar sete flores copo-de-leite para Iemanjá. Depois, partiu sozinha. E dessa vez não fizeram planos de ser ver um dia, em Paris. Nem ouve nenhuma daqueles beijos que os fazia esquecer de tudo que havia sido dito. Ela seguia andando sem nem pensar em olhar pra trás. Porque sabia que se olhasse ia virar pedra como na história da Medusa. Ele sentou na areia -embora detestasse areia – e há quem diga que nunca mais saiu dali.
Se preciso for, se necessario for mesmo, paro já com esse negócio de sentir, de querer, de divagar em voz alta. Não lembro mais o caminho de casa e já não atendo pelo meu nome. Coloco óculos escuros pra esconder as lágrimas, tomo banho frio e uso meias pra dormir. Se preciso for, brinco na lama, chuto lata nas ruas e repito baixinho teu nome até que ele perca o sentido. Bebo alguma cachaça ardida, um copo de leite quente ou nunca mais bebo nada. Separo, caso, enamoro, vou-me embora. Me entrego toda se preciso for de verdade. Fico louca de novo, esqueço as opiniões e choro na frente dos outros porque sei bem o que preciso. Esqueço que o 3 vem depois do 2 e antes do 4, rasgo o mapa da mina e enveredo por outros caminhos. Estrago-me. Faço tudo e não deixo sobrar mais nada pra ninguém. Tudo isso se preciso for. Se tu vieres. Se tu pedires. Com jeitinho e duas vezes.
Em todas as festas chegava uma duas horas depois do combinado. Usava vestido preto com algum detalhe. Pérolas.Meias pretas sempre. As vezes o olho marcado por sombra escura. As vezes, a boca carmim. Jamais os dois juntos.Quando ganhava carona, deixa cair distraidamente um batom ou um brinco no banco de trás. Olhava o relógio do celular varias vezes durante o encontro como se estivesse perdendo algum outro grande compromisso. Assinava duas revistas semanais e um grande jornal. Conversava sobre qualquer assunto. Sabia até a escalaçao dos principais times de futebol.Não tinha pudores no sexo. Fazia, com perfeição, um suflê de queijo irresistível. Os pais moravam longe e adquirira recentemente um dvd.
Só que mais uma sexta feira à noite estava em casa, sozinha.
Ia parar de ler cosmopolitan e tentar ser ela mesma.