Sórdido
Alessandro Garcia
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Como se fizesse alguma diferença, Alaor acordou-se naquela manhã estranhamento bem disposto. Certo de que não faria diferença alguma, que ainda assim se chatearia terrivelmente na prefeitura que odiava, resolveu dar àqueles poucos instantes compreendidos entre o café da manhã naturalmente frugal e a corrida até o ponto de ônibus, uma espécie de divertimento matinal, preparando minuciosamente seu café e fazendo algum esforço para arranjar alguma roupa que não o fizesse sentir-se infinitamente asqueroso durante mais um dia inteiro. Entre as velhas calças de tergal e as camisas de linho, bastante puídas no colarinho e nas mangas, encontrou, cuidadosamente embrulhada, em uma sacola de uma destas lojas de grife, uma calça de microfibra e uma camisa de tricoline. Estranhou que aquela sacola estivesse no meio de suas roupas. Desembrulhou-as cuidadosamente, deixando-as sobre a cama, quando ouviu uma voz vinda da cozinha: “O leite está derramando, seu imbecil!”. Alaor foi até a cozinha e viu sua irmã Carmem, horrorosamente despenteada, com restos de batom pelo rosto e um chambre que soubera um dia pertencer à sua mãe, de pé, desligando o fogão e praguejando ensandecidamente. “De quem são aquelas roupas no meu armário?”, Alaor perguntou, timidamente. “De quem mais seriam, se estão no seu armário?”. Alaor sentia-se pequeno diante da irmã. Hesitava entre aceitar sua última resposta como definitiva e permanecer quieto, ou continuar perguntando, com medo de irritá-la. “Mas, quem...?” “Fui eu, imbecil. Fui eu, comprei pra ti. Agora, coloca aquela bosta e limpa esta sujeira que tu fez, aqui, que eu ainda quero tomar meu café!”. Alaor arregaçou as mangas do pijama de malha, pegou o pano úmido em cima da pia, e esfregou com força o leite ressecado na borda do fogão. Carmem o olhava através dos cabelos que encobriam seus olhos cheios de rímel. “Tu viu que eu saí, ontem à noite?” “Vi”. Alaor só queria terminar aquilo e sair dali. Perdera, inclusive a vontade de tomar café. Fez esforço para não deixar Carmem perceber o quanto lhe enjoava seu hálito, mistura de cigarro da noite anterior com uma nódoa esbranquiçada depositada nos cantos de sua boca. “E tu não vai falar nada?” “Falar o quê, não tenho nada que ver com tua vida”. Carmem permaneceu um instante em silêncio. Olhava para Alaor detidamente, em uma mistura que cada vez menos compreendia, com nojo e uma vontade infinita de abraçá-lo. Na maioria das vezes, o sentimento de nojo prevalecia, e Carmem era absurdamente estúpida com Alaor. “De vez em quando tu tem a ver com minha vida, não é, seu escroto? Anteontem tu tinhas bastante a ver com minha vida, estavas bem interessado, por sinal, e hoje já não te interessa o que fiz ontem?” “Não faço nada mais do que satisfazer tuas obscenidades, como teu escravo”, disse Alaor, ainda esfregando o leite ressecado em cima da pia. “Como se a ti não interessasse tais obscenidades, também. Não sei de que outra forma tu irias arranjar uma mulher pra ti. Só pagando, mesmo. E olhe lá!”. Alaor estava com a faca de manteiga na mão, tentando raspar o leite que, ressecado, impregnara-se nas frestas do fogão. Pensou demoradamente na possibilidade de enfiá-la na barriga da irmã, remexendo devagar, ouvi-la berrar desesperadamente, e encharcar-se naquele sangue que era igual ao seu. Incomodava-o, no entanto, a burocracia que envolvia o ato. Alaor não gostava de se incomodar. A prisão, os dias de cárcere, a podridão da cadeia, tudo isto até relevava. Aborrecia-o toda a série de depoimentos, indagações de policiais, perguntas em juri, julgamento. Se ela somente desaparecesse, e o deixasse ali, sozinho, seria o ideal. Alaor sabia que isto não aconteceria, no entanto. Já se iam doze anos desde que sua mãe morrera, deixando-lhes aquele apartamento grande e antigo, de um pé-direito infinitamente alto, como já não se via nos apartamentos modernos. Uma das coisas que contribuia para que Alaor se sentisse tão pequeno diante da irmã era aquele pé-direito sem fim. Carmem era grande, pesada, opressora, mas o frio que sentia em qualquer estação do ano que estivessem, dentro daquele apartamento, tal era a distância do chão ao teto, fazia Alaor sentir-se ainda menor do que era. Acuado pela irmã desde pequeno, moraram juntos por toda a vida e, dois acomodados, resignaram-se à solidão de companheiros que nunca tiveram, porque nunca se importaram em procurar. Mas Alaor sabia que a irmã sentia falta de um homem. Em oportunidades que julgou demasiadamente facilitadas, observou a irmã masturbar-se na solidão e na escuridão do seu quarto, de olhos fechados, contorcendo a boca em expressões medonhas. Entre a morte da mãe, até a primeira visita noturna que sua irmã lhe fizera, foram cerca de três meses. Acordou no meio da noite sentindo seu escroto estranhamente molhado, e deparou-se com sua irmã a lamber-lhe o saco, esfregando os peitos em suas coxas. Não chegou a protestar. Ao vê-lo de olhos abertos, Carmem abocanhou seu pau e começou a chupá-lo com tal voracidade, que, mesmo se quisesse, Alaor, não teria forças para protestar. A primeira vez que realmente constatou o peso da irmã foi quando ela montou em cima dele, enfiando desajeitadamente seu pau para dentro de si. Entre o real desejo e a satisfação de seus instintos, Alaor resignava-se a aceitar as visitas periódicas que sua irmã lhe fazia. Nestas horas, não trocavam uma palavra. Ela vinha, como um vulto no meio da noite, e, uma vez satisfeita, voltava para seu quarto, e se deitava novamente, sem ao menos tomar banho. Pouquíssimas foram as vezes em que sua irmã lhe fizera referência aos episódios noturnos. Nas vezes em que ela o fazia, Alaor sentia-se ainda mais enojado dela. Tratava-o ridicularmente, como a um maridinho imprestável. Como se ela lhe estivesse fazendo algum favor. Nunca movera-se até o quarto de Carmem. Todas as vezes, era Carmem quem ia satisfazer-se em sua cama, como um gato vagabundo.
 

Na época em que finalmente convenceu-se de que não atrairia mulher alguma de maneira convencional, Alaor começou a freqüentar os puteiros. Já contava seus vinte e poucos anos de idade quando soube o que era mulher. Não sabia bem como comportar-se naquele ambiente sórdido. Escolhera um muquifo de ultima categoria para perder sua virgindade, mas, ao invés de sentir-se enojado, aquela sordidez lhe excitava tremendamente. No intervalo entre um show de strip-tease e uma performance de sexo no palco, fora abordado umas tantas vezes por mulheres feias, cheirando a flores mortas, metidas nos seus conjuntos de ligas, sempre com a mesma estratégia, pedindo bebida. Alaor pagara bebida para algumas, sem, no entanto, acompanhá-las até seus quartos. Até notar a guria que nem sequer olhara para ele, dançando displicentemente de calcinha e sutiã, ao som do bate-estaca que era trilha sonora do show de outra, no pequeno palco, Alaor já tinha pagado um número considerável de bebida. Andou devagar até onde a guria se contorcia e perguntou se podia pagar-lhe uma bebida. A guria disse que se era sexo o que ele queria, ela não tinha tempo a perder. Pegou-o pela mão e levou-o até um dos quartos. Ao entrar, aquele cheiro de suor, esperma, urina, atiçou-lhe ainda mais. Sentou-se na beira da cama, enquanto a guria com a mão na cintura lhe olhava com cara de “o que você quer que eu faça”. Alaor sentia-se intimidado. A guria mastigava um chiclete com uma cara de aborrecimento infinito, com a boca aberta. Alaor permanecia sentado sem nenhuma reação, sem falar coisa alguma. A guria se aproximou dele, sentou-se ao seu lado, o “nhéc-nhéc” do chiclete ressoando no ouvido de Alaor, e perguntou, sorrindo “Você nunca fez, não é?”. Alaor sacudiu a cabeça negativamente, ela deu uma risada, tirou o chiclete da boca e pediu “Segura isto para mim,por favor”, e começou a lamber o ouvido de Alaor. Alaor sentiu a cueca pegajosa, mas a ereção voltou quando a guria começou a passar a mão sobre o pau de Alaor. Deitado, enquanto era chupado pela guria, Alaor perguntou “Qual o seu nome?” “Tati”, ela respondeu, levantando a cabeça. Alaor olhou pro canto do quarto e viu um quadro de São Jorge.
 
Alaor terminou de limpar o fogão e foi tomar banho, olhando para o relógio e vendo que novamente iria chegar atrasado ao serviço. A estabilidade na prefeitura fazia-o sentir-se seguro para faltas como esta, mas ainda assim, sabia que teria que aturar seu supervisor com comentários jocosos sobre sua competência. Carmem estava na frente da televisão, assistindo a um programa de ginástica e, em qualquer outra situação, Alaor riria, pensando no sedentarismo de Carmem e na ironia de vê-la fixando atentamente o televisor. Em outra vida, talvez, Alaor risse. Naquela, sabia somente que iria para a burocracia do seu cargo de servidor, que voltaria à noite, que não pararia em bar algum para fazer nenhum tipo de happy hour, com amigo algum, porque não tinha amigo algum, e tudo o que faria seria jantar o que quer que Carmem fizesse, e deitar-se, tentando adivinhar se acordaria com Carmem lhe lambendo o lado interno de suas coxas.
Alaor se lembrava de Carmem à sua volta na festa de doze anos de Ana Lúcia. Alaor achava estranho a vizinha ter-lhes convidado, uma vez que não brincava com ele nem com Carmem. Na verdade, nem ele nem Carmem brincavam com nenhum dos vizinhos da rua e, fora a mãe de Ana Lúcia conversando com sua mãe uma semana antes do aniversário, poucos foram os contatos que tiveram com seus vizinhos. Carmem era gorda com doze anos, as outras meninas começavam a mostrar-se graciosas e os meninos começavam a rodear as meninas mais bonitas. Carmem vivia sozinha pelo recreio no colégio, e, em casa, ou passava as tardes estudando ou lendo revistas de artistas de televisão. Nunca brincava na rua. Não que sua mãe não deixasse. Carmem era gorda e as outras crianças ignoravam-na. Alaor sentia a rejeição da irmã, mas nunca tentara aproximar-se para se tornar seu amigo. Ainda assim, porque sua mãe mandara, fora com Carmem à festa de Ana Lúcia. Carmem não participou de nenhuma das brincadeiras organizadas pelas recreacionistas na festa. Ficou apenas o tempo necessário para que a mãe deles viesse buscá-los. Alaor, encostado na parede ao lado da irmã, olhava os meninos loiros e as meninas sardentas e se perguntava por que eles eram diferentes dos outros. A mãe deles chegou e Alaor prestou atenção enquanto a mãe de Ana Lúcia enaltecia a atitude comportada dos dois e mentia o quanto Ana Lúcia gostava deles. Foi o primeiro e último aniversário infantil que Alaor foi em sua vida.

Carmem estirou-se mais no sofá da sala, enquanto mudava de canal constantemente, sem prestar atenção à nenhum programa, nos poucos instantes em que parava em alguma emissora. Ficara de chambre a tarde inteira, e só levantara do sofá algumas vezes para ir até a cozinha comer. Começava uma novela mexicana e Carmem observou atentamente a plástica irretocável das atrizes de cabelos extremamente alinhados e sedosos. Carmem nunca parara para pensar a respeito das visitas que fazia à noite à seu irmão. Nunca foram criados dentro de nenhuma religião e Carmem tampouco sentia-se culpada pela relação incestuosa que mantinham. Carmem achava que não chegavam a ter uma relação. Nem de paixão incestuosa, nem de irmãos. Apenas suportavam-se, já que se precisavam. Alaor era como seu pedaço de carne dura, onde ia saciar-se de uma vida sexual que nunca tivera com homem nenhum. A distância estranha da vida entre os dois, tornou-se a medida ideal para chegar àquele ápice de bizarrice, onde o fato de fazerem sexo algumas noites na semana, considerando-se o fato de serem irmãos, não chegava a causar-lhe qualquer tipo de sentimento de culpa. Absorta em uma vida atípica que sempre tivera, tanto na infância, de rejeição e dor na adolescência, e de sensação de inutilidade na fase adulta, não chegara a entusiasmar-se por qualquer tipo de atividade ou distração durante toda sua vida, e, por vezes, chegava a pensar que vegetava na futilidade, no nada, sugando seus pais quando vivos, e usufruindo de seu dinheiro, quando mortos, como um peso morto, vivendo tudo com o entusiasmo de uma ameba. Alaor era o que restava da conveniência de se ter uma família, e, na inexistência total de apoio, companheirismo, amizade, ou qualquer tipo de sentimento entre os dois, fora, na maioria das vezes, aquele eterno embate de nojo e necessidade que os impulsionava de encontro ao outro, eram estranhos que se encontravam algumas noites, satisfazendo o gozo mais básico que mesmo aos desgraçados é oferecido. Alaor, era, portanto, seu escape, na escuridão, quando não precisavam se olhar, se reconhecer, e ele era qualquer um, ele podia ser um dos garotos que nunca olhavam para ela na escola, qualquer um dos colegas de colegial, qualquer um dos atores de televisão. Ela tinha um pedaço de carne que precisava sentir prazer. Alaor também tinha. Eram úteis, reciprocamente, portanto. Por mais que aquilo fosse um tanto estranho e doentio.

A bizarrice de sempre. A doentia relação dos irmãos que trepam. Alaor não parara nunca para pensar profundamente sobre o fato, só ia levando. Mas agora pensava profundamente sobre o fato, e achava doentio. Ele era doente, Carmem era doente, dois depravados, nojentos. Se acreditasse em inferno, teria certeza de que arderiam nas chamas do inferno. Como não acreditava, preferia pensar que era uma anomalia humana que deveria ser expurgada do convívio coletivo. Caminhou de cueca e meias até o quarto de Carmem. Ela dormia. Não viera lamber-lhe o saco naquela madrugada. Ela não sentiria falta. Ninguém na prefeitura sentiria falta. Não haveria ninguém para sentir falta. Ela estranharia, no começo. Mas, de estranho, já bastavam os dois. O peito pequeno, miúdo. Era feio até na escuridão do quarto. Abriu a janela, deixou o ar gelado bater no peito, arrepiar-lhe os mamilos. Subiu no batente da janela. Sabia que aquelas meias carpim eram escorregadias. Olhou para baixo e fechou os olhos. Enquanto caía, lembrou de Tati.