OLHOS OFUSCADOS Bernardo Almeida Turela
- Será que eles já foram embora?
- Não sei...
- A gente não pode ficar aqui para sempre.
- Eu sei disso, mas o que a gente pode fazer? Tu quer arriscar sair daqui?
- Ai, ai, é arriscado.
- Pois é, se a gente sai e eles ainda estão aí, eles podem pegar a gente, mas se eles já tiverem saído, a gente finalmente vai poder sair daqui.
- O que você acha melhor?
- O que você decidir para mim está bom.
- Mas dá a tua opinião, só para mim poder decidir democraticamente.
- Democraticamente?
- É, e eu só posso fazer isso se você me disser a sua opinião.
- Me desculpe, mas eu acho que a democracia não funciona. Sou a favor de ter um ditador. Como dizia meu avô: "Democracia é burocracia."
- Vamos deixar de lado as opiniões pessoais e vamos decidir de uma vez se nós saímos ou não daqui.
- Eu acho que se nós sairmos, há duas possibilidades: Eles podem estar ou podem não estar ali.
- Não brinca.
- Sério, é só você pensar.
- Eu sei disso, estou apenas sendo irônico.
- Ahn?
- Esquece. Agora, no momento, nós temos que discutir o que faremos, se sairemos desse lugar ou se continuaremos aqui, e, caso decidamos por continuar aqui, temos que decidir por quanto tempo ficaremos, porque não podemos ficar aqui para sempre.
- Porque não?
- Ora essa "por que não?", porque não, não temos como ficar aqui para sempre.
- Como não? Temos tudo aqui.
- Pare com isso! Não vamos e nem podemos ficar aqui para sempre, certo?
- Errado. Podemos ficar aqui para sempre, e, se quisermos, ficaremos aqui para sempre.
- Ficaríamos.
- Como?
- Ficaríamos, se eu quisesse.
- Porque? E se você não quisesse?
- Daí não ficaríamos.
- Você pensa que manda em mim? Você acha que se você não quiser ficar, não ficaremos?
- Claro. Não ficaremos, mas você, se quiser, é claro, ficará.
- Só se eu quiser.
- É lógico.
- Ah tá.
- Hummm.
- Hummm, o quê?
- Não está ouvindo?
- O quê?
- O que você ouve?
- Nada.
- Ora nada? Você ouve o som, certo?
- Certo.
- Então, quando eu pergunto se você ouve, você não pode perguntar "O quê?", pois é claro que eu estou me referindo a algum som.
- Tá, mas que som?
- Não sei, mas é um som.
- Agora eu também estou escutando.
- E o que você está escutando?
- O som.
- Tá, mas que tipo de som?
- Não sei, parece som de... de... de...
- De...?
- Ar se movendo.
- Só isso?
- Só.
- Ah, eu não aguento mais ficar aqui.
- Porque não?
- Não sei, aqui eu me sinto preso...
- Preso? Aqui nós temos bastante espaço para se mexer...
- Eu sei, mas é uma coisa... Não consigo explicar...
- Onde você se sente bem?
- Em casa.
- Sua casa é grande?
- Não muito.
- E você sai de casa?
- Não. Na verdade, só saio para trabalhar.
- E porque você não sai de casa?
- Ah, você sabe, é muito perigoso.
- Então, o que você quer melhor do que isso? Temos espaço e estamos seguros aqui.
- Certo, mas a diferença é que na minha casa eu tenho a OPÇÃO de sair de lá, enquanto aqui eu não tenho opção, a não ser ficar aqui dentro.
- Mas e se você tivesse opção, sairia daqui?
- Talvez.
- Sairia ou não?
- Impossível saber, a não ser que me fosse dada a opção.
- E se eu te disser que aquele barulho que eu ouvi foi de gente saindo?
- Eu, provavelmente, sairia, porque eu aguardava a opção de sair, e é possível que esse desejo reprimido me forçasse a sair assim que a opção foi dada. Você ouviu mesmo o som de gente saindo?
- Não.
- Então porque você fez esse joguinho, fazendo de conta que tinha ouvido? Hein, hein?
- Calma, ficar nervoso e violento não vai adiantar de nada.
- Desculpe, mas eu fico nervoso com essa idéia de não ter opção, de ser forçado a fazer uma coisa que eu não quero.
- Nós temos opção: Sair ou ficar.
- E qual você acha a melhor?
- Acho melhor você decidir.
- E eu acho melhor...
- O quê?
- Você não ouviu o barulho agora?
- Não.
- É impossível você não ter ouvido.
- Claro que é possível. Tanto é que eu não ouvi. Barulho de quê?
- Não sei, mas foi um barulho alto, como de uma batida.
- Batida de quê?
- Não sei, só sei que foi uma batida.
- Será que eles saíram agora?
- Ou será que eles entraram?
- Puta merda.
- O que?
- Não tinha pensado na hipótese de eles terem entrado.
- E agora, o que fazemos?
- Nada.
- Nada? Como assim?
- Nada. Fica aí, eu fico aqui, e se acontecer alguma coisa, a gente sai correndo.
- Mas e se não acontecer nada?
- Vai acontecer.
- Como você sabe?
- Porque sempre acontece alguma coisa. A vida é nada mais nada menos que uma sucessão de acontecimentos.
- Mas e quanto tempo demorará esse acontecimento?
- Isso eu não sei.
- E se demorar anos?
- ...
- Temos que tomar uma decisão já.
- Porque agora?
- Porque sim.
- Porque essa pressa? Podemos esperar até que algo aconteça, para só então sairmos.
- Raciocina: Se acontecer alguma coisa, essa coisa será ruim, pois a única coisa que pode acontecer é eles entrarem aqui, então, ficando aqui, estamos perdendo tempo.
- Tempo de quê? O que você estaria fazendo agora, se não estivesse aqui?
- Estaria, provavelmente, assistindo TV.
- Então que tempo você estaria perdendo?
- Tempo de assistir TV.
- Oh, que tempo precioso...
- Melhor do que ficar aqui com você.
- Se você acha isso, então porque não sai?
- Porque tenho medo.
- Medo de quê?
- De eles estarem ali fora.
- Já que você não está gostando da minha companhia, eu vou sair.
- Eu vou ficar.
- Tudo bem, não quero que venha comigo.
- Você vai sair agora? Êi, êi, espera aí... Saiu. Eles estão aí fora? Ôohh! Tá me ouvindo aí de fora? Me diz alguma coisa...