ESTADO DE ESPÍRITO
*emiliano_urbim |
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Antes de escrever para esse Não,
achei melhor testar meu QG - quociente de gauchismo. Poderiam todos esses
dois anos em São Paulo terem maculado minha alma sul-riograndense?
Era tudo cosmética do frio? Resolvi verificar com minha namorada,
moça de várias latitudes, praticamente uma cigana, que já
viveu no Piauí, Ceará, Alemanha, São Paulo –interior
e capital.
A pergunta do instituto: "o que há de gaúcho em mim, meu amor?". Os resultados preliminares da pesquisa mostraram que a única coisa que me ligava ao Rio Grande do Sul eram um pronome, "tu", e expressões usadas em momentos específicos – "bah", "tri", "guri", "guria". "Tchê", só quando estou brabo com ela. Bem, "brabo" também. E "guspe". E "se puxar" e "se atucanar". E "ruim" com uma sílaba. Ou seja, tudo o que me separava de uma imitação de gaúcho eram os "afudês", que eles nunca se lembram de dizer. De resto, questões climáticas –passo menos frio, divido o ano em quatro estações. "Mais nada, bem?", insistiu o pesquisador. "Ah! Você fica apontando quem é gaúcho quando tá vendo televisão." Havia então um elo de ligação. Reconhecer o Gabriel Moojen, o Cigano Igor e a Adriana Calcanhoto como iguais era o que restava de 22 anos mostrando valor e constância nesta ímpia e injusta guerra. (Nem para o Grêmio eu torço mais –se bem que aí a culpa não é minha.) Vocabulário exótico, blusão só com menos de 15° e um conhecimento enciclopédico das certidões de nascimento de Erechim ao Chuí. É o que sobrou de pampa em mim. Engraçado que meu não-editor já tinha diagnosticado essa síndrome de colecionador de figurinhas que atinge os gaúchos no exílio. "Eu gosto desse cara." "Ele é gaúcho, tu sabia?" "Não." "Pois é." Por que? Não deixa de ser curiosa a tentativa de dividir o mérito de uma pessoa só porque ela nasceu naqueles mesmos 282.062 km² que você. Que tu. Que você. Que eu, pronto. Na real, sempre me irritou isso de a pessoa agregar à sua personalidade o IDH de onde nasceu. Como se alguém não pudesse nascer em Moçambique e matar a pau ou vir de Montreal e ser um escroto. Chega a ser constrangedor como alguns gaúchos vestem a bombacha e se vangloriam de expectativa de vida, leitos por habitante, circulação de jornais, salário da Gisele Bündchen, anos de Getúlio Vargas no poder – nessas horas vale tudo. Não que São Paulo seja muito mais legal (é a mesma merda, como Moçambique, como Montreal) ou que os gaúchos tenham o monopólio do bairrismo. Mas, sinceramente, nem o Bernardinho foi "um herói carioca nas Olimpíadas" nem Robert Scheidt "pôs o nome de São Paulo lá no alto". Eles são brasileiros. Não faz sentido, no "Globo" e na "Folha", começar uma frase com "O carioca Walter Salles acha que...", "O paulista José Dirceu declarou que...". Menos sentido ainda faz o Rio Grande do Sul querer adotar a paulistana e nova-iorquina Maria Rita, sendo que a Elis já cagava e andava pra isso. Isso é carência, gente. Quando alguém vai ver um filme, não deve ir por ele ser do Rio Grande do Sul, mas por ele ser bom. O mesmo vale para discos, livros, cervejas e xis-burguers. Só assim as coisas melhoram, quando se busca qualidade, não uma bandeirinha verde, amarela e vermelha. Isso não é desprezar a influência do clima subtropical, do violão do Teixeirinha, dos versos do Humberto Gessinger, das crônicas do Verissimo, dos imigrantes europeus, do chocolate de Gramado, do Jornal do Almoço e do Sala de Redação. Mas só dizer que não importa tanto assim. Não nos faz melhores. E nem diferentes. Basta uma conversa de bar com outros brasileiros (sem se vangloriar dos Sete Povos ou do Cânion do Itaimbezinho) para gaúchos de todas as querências descobrirem que é tudo a mesma coisa. Ou para se dar conta que o gaúcho do seu lado tem muito mais a ver com aquele mineiro e que tu é uma alma gêmea daquele cara de Fortaleza. Nós, os gaúchos. Se for
para agrupar pessoas tão diferentes em um conceito tão geral,
é muito mais fácil fazer isso de uma vez por todas. Vamos
reduzir todos nós a indivíduos com seus momentos bons e ruins,
suas fraquezas e qualidades, que nascem e morrem, todas no mesmo planeta.
Bah, me puxei.
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*Emiliano Urbim, 25 anos,
é norte-americano, da quadra norte da avenida América, bairro
Auxiliadora, Porto Alegre, e vive em São Paulo desde 2002. Jornalista-que-se-acha-escritor-e-roteirista,
é autor de "Embora", "Jardim Ipê" e "Sinuca de bico", nenhum
deles publicado nem escrito, mas um dia ele jura que toma vergonha e se
organiza.
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