ABAIXO
VOCÊ!
*carlos gerbase |
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A questão é: nos filmes gaúchos de enredo contemporâneo (e intenção realista) devemos escrever e filmar diálogos em que os personagens falem como os gaúchos de verdade, com seu hábito peculiar de, na comunicação oral, usar a segunda pessoa do singular (tu) e conjugar erradamente o verbo na terceira pessoa? Tipo "Tu foi ou não foi lá?". As alternativas são duas. Manter o "tu" e conjugar certo ("Tu foste ou não foste lá?") ou trocar o tu por você ("Você foi ou não foi lá?"). Nenhuma das alternativas me agrada. Imaginemos que o personagem é um jovem estudante da Restinga, em Porto Alegre, e que ele esteja falando com seus colegas. Se ele disser "Tu foste", vira um professor de Português da Restinga; se ele disser "Você foi", vira um jovem estudante carioca (ou de qualquer lugar do País, menos de Porto Alegre). Em nome de uma suposta adequação gramatical, comete-se um erro de roteiro. Já cansei de dizer - e mesmo cansado continuarei dizendo - que erros de verossimilhança são muito mais graves que erros gramaticais. Outra coisa que sempre digo: se a história é boa, se os personagens são bacanas, o espectador vai superar qualquer problema de estranhamento quanto a regionalismos. Se a história é ruim, e os personagens são mal construídos, uma suposta qualidade "universal" dos diálogos não salvará coisa nenhuma. A universalidade de uma história depende dos seus elementos dramáticos, da sua estruturação, de sua vocação para o diálogo com todos os públicos. E não da combinação de um pronome com um verbo. E mais uma coisa: se a idéia é atingir todo o planeta, parece ser uma boa tática começar com o seu bairro. Quem não é entendido na sua esquina dificilmente passará a fronteira com o Paraguai. Por isso, lanço aqui o manifesto "ABAIXO VOCÊ!", que prega a imediata retirada deste pronome estrangeiro de qualquer filme que pretenda se passar no Rio Grande do Sul. Vejam bem, se o filme é feito no Rio Grande do Sul, mas se passa em outro lugar, ou se simplesmente abre mão de uma localização geográfica específica, aí vale tudo. Mas o império do "você", que se estende do Oiapoque ao Mampituba, e que já ameaça Torres, deve ser detido a qualquer custo. Cabe aos roteiristas e diretores gaúchos esta tarefa. E, para assegurar que esta tarefa será cumprida, está criada a AGCGE,MDC - Associação Gaúcha de Conjugação Gramaticalmente Errada, Mas Dramaticamente Correta - que fornecerá um certificado para os filmes realmente gaúchos, cheios de "Tu foi ou não foi lá?". Mas atenção: os certificados não serão fornecidos para filmes que contiverem cavalos e/ou bombachas. Porque aí não é questão de adequação dramática. É grossura mesmo. |
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*cineasta profissional,
membro permanente do comitê editorial do Não e gramático
amador
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