[ NÃO 80 ]
outubro/2004


O ELEVADOR DE SERVIÇO TRAZ O NOVO CINEMA
*gustavo_spolidoro
Um dia, há menos de 10 anos, a high society dos prédios de luxo chocou-se! Fora proibido a separação entre Elevadores Sociais e Elevadores de Serviço. Discriminação, preconceito, racismo foram usados como defesa daqueles que não compreendiam mais a separação entre patrões e empregados. Nos tempos atuais, mais de cem anos após o fim da escravatura, é absurdo que tais situações existam. Daí em diante, mesmo com a ponta de preconceito latente, os patrões começaram a conviver nos mesmos elevadores dos empregados. No começo deve ter sido difícil para alguns, mas hoje não há mais resquícios daquele antigo preconceito. 

Usei esse exemplo, meio estranho talvez, para justificar para um amigo a questão da aceitação do vídeo como cinema. 

Há mais de 100 anos surgiu o cinema. E há mais de 100 anos cinema é considerado apenas aquilo finalizado (vejam que falei FINALIZADO) em película, com preferência absoluta para o 35mm. Com o surgimento do vídeo, ainda nos anos 70, dilemas começaram a assombrar a cabeça daqueles que vivem para o audiovisual. Estaria o cinema com seus dias contados? E hoje em dia há a resposta: não, o cinema não está com seus dias contados, pois toda a imagem audiovisual passa a ser tratada como cinema. O que estava com os dias contados eram os dogmas e, depois do surgimento do vídeo, o preconceito. Sendo assim, o que está surgindo é uma mudança de PARADIGMA. 

Sim, de tempos em tempos alguns paradigmas são quebrados, transformados, modificados. 

A discussão sobre o paradigma do “o que é cinema?”, não é nova, mas está ganhando força, desde o início do século XXI, devido aos festivais de cinema. Enquanto que alguns grandes e tradicionais festivais têm e terão dificuldades em adaptar-se as novidades, festivais menores, mais ousados e sem compromisso com o velho cinemão, são os responsáveis principais pelas mudanças que surgem. 

Exemplos fortes, podem ser constatados nos dois maiores festivais de curtas-metragens do mundo, CLERMONT-FERRAND e OBERHAUSEN. O segundo, há alguns anos, aboliu as bitolas, permitindo que vídeos e películas participem das mesmas competições. Já CLERMONT, recentemente adaptou-se a esta proposta. 

No Brasil a coisa está mais lenta, porém ganha adeptos importantes. Talvez o primeiro festival a misturar os formatos e bitolas tenha sido a MOSTRA DO FILME LIVRE (RJ), de Guilherme Whitaker, que está na quarta edição. Outros festivais surgiram e/ou adaptaram-se. É o caso do festival que produzo com o Alisson Ávila, a Jaqueline Beltrame e a Morgana Rissinger, o CINEESQUEMANOVO – FESTIVAL DE CINEMA DE PORTO ALEGRE que, em sua primeira edição, em 2003, misturou na exibição e em algumas premiações, formatos e bitolas e, em 2004, definitivamente aboliu as bitolas, tendo como lema “Desbitole-se”. A MOSTRA CURTA CINEMa (RJ), em sua 10ª edição, em 2003, exibiu película e vídeo juntos, no gigantesco Cine Odeon. Agora, numa revolução mais aparente, o FESTIVAL DO RIO BR, festival internacional, que exibe longas do mundo inteiro, selecionou 5 filmes em digital para a sua tradicional competição de curtas-metragens. Outro importante evento, o FESTIVAL INTERNACIONAL DE CURTAS DE SP apresentou a Mostra Curta o Formato, sem distinção de bitolas e em competição pelo voto do público, junto com a já tradicional Panorama Brasil. 

Mas ATENÇÃO, não está se falando aqui em filmes captados digitalmente e finalizados em película, prática já comum a quase dez anos. O que está em discussão aqui é justamente a cada vez mais aparente diferenciação entre a CAPTAÇÃO e a FINALIZAÇÃO. Diferenciação que cada vez mais terá visibilidade e será discutida, isto porque, com a proximidade da exibição digital, não importará mais de que forma o filme foi finalizado, podendo o mesmo estar apenas no seu computador e, na hora da exibição, ser passado para a mídia necessária. Sendo assim, volta a ter importância sim, e cada vez maior, as técnicas escolhidas para a captação do filme, podendo ser o velho e belo super-8, o tosco vhs, o 35mm, o 16mm, a Hi-8, Beta Cam, Beta Digital, DV CAM e por aí vai. Assim, dois fatores terão fundamental importância na fase de captação: os recursos financeiros, que talvez obriguem o realizador a captar em determinada técnica mais barata ou mesmo mais cara, caso tenha recursos para tanto, e a escolha artística, aquela que permite ao autor escolher que textura, que técnica traduz melhor as suas idéias. Esta segunda é a ideal, principalmente se partirmos do ponto de vista de que, todo o realizador é um artista e que, o que interessa, são as escolhas deste artista na hora de realizar o seu filme, em detrimento do formato ou bitola necessário para a exibição. 

Sim, é uma discussão talvez um tanto confusa e ampla, mas assim como hoje já nos comunicamos e vemos pessoas distantes, através do computador, como se fazia na década de 50 em desenhos como Os Jetsons, em breve não se questionará mais quais os formatos e bitolas compõe o cinema. As mudanças, mesmo que em um determinado momento pareçam assustadoras e complicadas, com o tempo vão acontecendo sem que, muitas vezes, tenhamos noção de quando elas começaram e em que momento se consagraram. 

Basta abrir a cabeça e relaxar. 
 

*Diretor cinematográfico, sócio da produtora CLUBE SILÊNCIO e
Coordenador de Curadoria do CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre

 

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