O NÃO E O VAZIO
Marcos Rolim, 09/11/2005


Independente das opiniões que sempre menosprezaram o referendo e o trataram como uma "manipulação" ou uma "farsa", vivemos no Brasil, com a consulta, uma radical experiência democrática que nos amadurece como nação e que deveria ser saudada por todos. O resultado, neste caso, importa menos que o processo e as verdadeiras conquistas deste referendo - o debate em torno da segurança pública, o destaque conferido ao vetor das armas de fogo em suas correlações com homicídios, suicídios e acidentes e a promoção do tema ao centro da agenda política - não podem ser medidas pelas urnas.

A vitória do 'NÃO" pode ser interpretada de várias formas. Ela aglutinou posições muito distintas, da extrema direita, à extrema-esquerda, de Jair Bolsonaro à Luciana Genro, da TFP ao PSTU. Houve gente do PT fazendo campanha pelo "NÃO" e gente do PT que "não foi encontrada". Houve um sincero voto liberal no "NÃO" que expressou um princípio de não intervenção do Estado, houve um voto do medo de uma cidadania abandonada e descrente, um voto de intolerância de uma elite proponente da violência e um voto de protesto contra a situação a que chegamos na área da segurança pública, contra a incompetência dos governos, contra as frustrações políticas que se acumulam e que alcançaram seu ápice com a crise moral que engolfou o PT. Houve de tudo, então. Acredito, entretanto, que o aspecto decisivo da opção pelo "NÃO" expresse muito mais um receio do que uma opção pelas armas. A grande maioria dos eleitores não se convenceu de que a proibição do comércio de armas poderia agregar benefícios a sua segurança. Pelo contrário, foi convencida de que a medida poderia piorar a situação e, por isso, marcou "NÃO". Se foi isso o que ocorreu, então as tentativas de atribuir ao resultado uma clara opção política devem ser vistas com reservas.

Durante toda a campanha em favor do SIM, em dezenas de debates, textos e entrevistas, insisti muito no exemplo de Diadema onde uma competente política de segurança assegurou extraordinária redução das taxas de homicídio. Diadema, que já foi a cidade mais violenta de São Paulo, desenvolveu um estudo científico sobre o perfil dos seus homicídios, descobrindo que o abuso do álcool estava associado à maioria das ocorrências. Após um amplo processo de discussão com a população, a cidade construiu uma lei que determinou o fechamento de todos os bares às 23h. (uma medida que, aliás, caracteriza o Reino Unido há muito tempo sem que ninguém por lá tenha invocado o "direito de comprar bebida alcoólica após as 23h"). Esta e outras iniciativas fizeram com que, em 3 anos, a taxa de homicídios em Diadema diminuísse 57%. Falo, então, de uma cidade onde há uma política de segurança pública e onde o governo é do PT. Pois, em Diadema, ganhou o SIM. Lá, simplesmente, não funcionou tentar "colar" o referendo ao governo, assim como não funcionou estimular o medo das pessoas porque a maioria da população se sente segura e confia no gestor de segurança pública que fez campanha pelo SIM.

O "NÃO" pode ter vários significados, é claro, mas é provável que ele traduza, sobretudo, o desconforto e a angústia diante do vazio de políticas de segurança pública no Brasil. O que o país descobriu com este referendo é que chegamos a um limite. A pilha de votos NÃO, neste sentido, está dentro do abismo construído pela incompetência dos gestores na área. Não por outro motivo, aliás, a pilha foi maior onde o abismo é maior.




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