ATO NOMINAL
por Lancast Mota
lancast@terra.com.br
Começo dos anos setenta, Chumbo tem significado concreto.
Símios trajando verde tentam vigiar o que acontece entre um
neurônio e outro, de todos aqueles que pagam impostos. Num andar,
abaixo do térreo, num prédio público, rapaz acorda
num quarto sem janelas. Recém completara dois anos de faculdade
e já se metera em encrenca, e das grossas. Pensou alto, pensou
demais. É estranho acordar com o resto do corpo dormente, mas
logo os dedos se mexem. O último momento que se lembra é
quando derrubam a porta dos fundos. Onde andará o resto do
pessoal? Façam o que fizerem, está determinado a
não pronunciar o nome de qualquer conhecido seu. Juramento
é juramento, e nada é capaz de quebrá-lo. A porta
se abre e entra um carrinho com comida. Comida do mais alto sabor e
qualidade. Pelo tamanho da fome, deve fazer dias que ali está.
Come com gosto, também, dois anos de RU. Mal esvazia, o carrinho
é substituído por outro, de sobremesas, e depois, um
cafezinho. A cada intervalo de vinte minutos, uma coisa saborosa
aparece para ser devorada. A fome é compulsiva. No outro dia, no
carrinho, uma torta de chocolate intocada. Não agüenta nem
mais engolir a saliva. Uma parte da comida está processada,
pronta para viagem. Não tem banheiro! Suor frio pelo corpo. Vai
ter que ser no canto do quarto mesmo. Baixa a vestimenta e fica de
cócoras. Nada! Não sai nada! Leva a mão ao
ânus, mas só encontra as cicatrizes da
cauterização.