COPA DO MUNDO 2044
por Cláudio Dienstmann
Está tudo pronto para a Copa do Mundo de 2044. Dia 9 de junho, a
bola vai rolar em 32 estádios de 3 mil lugares e gramados
sintéticos em Luxemburgo, e 64 países disputarão o
44º campeonato mundial de futebol. É claro que esses
estádios são um ao lado do outro, até porque de
outro jeito os 32 não caberiam numa titica como Luxemburgo.
A China, que mais uma vez é a favorita, vai em busca do
decacampeonato. Seu destaque é o atacante Tsin-Too, eleito
já cinco vezes o melhor jogador do mundo, apesar de alguns
protestos na Tailândia, Vietnam e Coréia do Norte.
Na verdade, as regras do futebol começaram a mudar drasticamente
em 2020. A bola só passou a ser considerada fora de jogo quando
batia fora de campo, o que também mudou as táticas,
porque os times passaram a usar pelo menos dois ou três jogadores
além das linhas laterais e no mínimo um jogador depois da
linha de fundo do ataque. Na cobrança de escanteios, em
conseqüência, passou a ser permitido que a bola viesse pelo
alto por fora do campo, o que resultou em vantagem para o jogo, com os
atacantes vindo de frente para o cabeceio, aumentando a média de
gols. Os pênaltis passaram a ser cobrados conforme o local da
falta: 11 metros apenas para faltas dentro da pequena área,
pênaltis laterais para faltas nos limites entre a pequena e a
grande área.
Os maiores rivais da China na Copa de 2044 deverão ser a
Tailândia, a Coréia do Norte e o Vietnam. Os
norte-coreanos, campeões de 2039 e 2041, acrescentaram
táticas de guerrilha ao futebol, e seu capitão, o volante
Ren-Tchiai, famoso por sua coragem, explica que um povo que enfrentou
bomba de napalm não pode ter medo de atacante inimigo. Os
vietnamitas, vencedores em 2040 e 2042, apresentam um jogo que outras
equipes não conseguem imitar nem fudendo, apesar de algumas
tentativas, todas inúteis: eles jogam agachados, ou mesmo
deitados, como se ainda estivessem todo tempo vivendo em túneis
minúsculos. A surpresa poderá ser Cingapura: seu
treinador, o sérvio “Bora” Milutinovic, disputará o seu
20º mundial – por 20 países diferentes – e garante que
dessa vez a coisa vai.
Os árbitros e seus auxiliares foram abolidos do futebol e
substituídos por controladores do sistema de monitoramento
eletrônico dos jogos. Todas as bolas de futebol do mundo passaram
a ter um chip, que detona um grito estridente nos alto-falantes quando
é gol. Foi o fim dos narradores de rádio, como se o
rádio já não tivesse sido detonado com a chegada
de um relógio-rádio-TV de baixissimo custo que todo mundo
passou a usar para acompanhar os jogos. Isso explica também que
em 2044 já não existem estádios para mais do que 3
mil espectadores. E além disso, todos os ingressos da Fifa
são repartidos pela Fifa entre os seus sócios comerciais,
como a Petrobrás, antes “O Petróleo é nosso”, e a
Chinatownbrás, fabricante de porcarias vendidas pelos
camelôs de todo o mundo. O público de futebol só
sobreviveu nos relógios-rádios-TVs.
O Brasil, lamentavelmente, em 2044 estará ausente da Copa mais
uma vez, embora uma voz ainda mantenha a esperança no futuro: o
velho Lobo Zagalo, cento e tantos anos, murmurando “vão ter que
nos agüentar” e com certa dificuldade em mostrar seis dedos
simbolizando o hexa do Brasil. Na verdade, depois que Burundi, Belize,
Benin, Botsawana e San Marino também começaram a
contratar jovens jogadores brasileiros, o Brasil não conseguiu
mais formar uma seleção adulta, especialmente porque o
único campeonato nacional existente no Brasil é o da
categoria sub-15. O Maracanã virou uma grande favela, e depois
de uma invasão paulista – como nos antigos clássicos
Rio-São Paulo – foi loteado em setores pelo PCC, que dominou os
morros cariocas. O presidente da CBD, o idoso Ricardo Teixeira,
anunciou que fará grandes mudanças no futebol brasileiro
– assim que voltar e se recuperar da sua atual viagem a Mônaco.
A Copa do Mundo, que até 2014 era disputada a cada quatro anos,
passou a ser realizada a cada dois anos em 2016, e a cada ano em 2025.
Depois de chegar a ter 128 seleções em 2039, voltou a 64
por decisão do presidente da Fifa, o velhíssimo
venezuelano Hugo Chavez.
Chavez, que viu os poços de petróleo da Venezuela
começarem a secar em 2033, procurou manter o poder
através do futebol, para não perder o hábito, e
finalmente chegou à presidência da Fifa em 2037, com apoio
do boliviano Emo Gonzalez, que nacionalizou o clube The Strongest de La
Paz e o rebatizou como “El más Fuerte”. Chavez e Gonzalez tinham
prometido ajudar o Brasil mas não cumpriram a promessa, e a
primeira providência do novo presidente da Fifa foi – só
por desaforo – aceitar como país-sócio o Tibete, que por
sua vez passou a marcar os seus jogos de eliminatórias em
gramados a 6 mil metros acima do nível do mar. Os
adversários protestaram depois que alguns jogadores morreram em
campo, mas Chavez manteve a cara-de-pau e disse que a regra era clara e
continuou com os jogos na altitude. Lamentavelmente, os
“dalai-lama-boys” tibetanos, que já se classificaram nove vezes
para a Copa mas ainda não ganharam um puto jogo, apesar do apoio
silencioso dos torcedores pacifistas de todo o mundo, deverão
ser novamente surrados na planície.
Os Estados Unidos têm mantido um litígio
futebolístico-político e permanente com a Fifa e Chavez,
e o presidente George Bush Neto já ameaçou bombardear a
sede da Fifa em Mônaco (onde existe a vantagem de não ter
que mandar dinheiro para o exterior). Chavez classificou as
ameaças como “bravata familiar”, sem esquecer de mencionar que
os Estados Unidos formam o “triângulo do mal”, junto com
Irã e Iraque, aos quais finalmente se uniram, por causa de
interesses comerciais, é claro. Para se fortalecer, o presidente
Chavez nomeou como vice-presidente financeiro da Fifa o próprio
príncipe de Mônaco, Alberto, porque assim fica tudo em
casa.
A última abstenção anunciada para a Copa de 2044
é a da Alemanha. Irritados com a sua incapacidade física
para acompanhar as acrobacias dos chineses, norte-coreanos, japoneses e
tailandeses, os alemães cinturas-duras, argumentando que o
futebol deveria recuperar um pouco da sua antiga virilidade, sugeriram
a permissão para jogar com armaduras (só quem quisesse,
é claro). A Fifa nem examinou a sugestão, considerando-a
“ridícula, preconceituosa e medieval”.
O Brasil estará representado na Copa de 2044 apenas pela TV
Globo, ao menos. O veteraníssimo narrador Galvão Bueno
terá ao seu lado o analista de arbitragens jornalista Carlos
Simon, o comentarista Ronaldinho Gaúcho – chamado pelos
fanáticos chineses de Ron-Din-Gayjo, alguma coisa parecida com
“Aquele que um dia foi”, em mandarim –, e mais dois especialistas de
análises: Ronaldo Gordão para goleadores,
culinária e namoradas de preferência loiras, e Danrlei
Hinterholz para goleiros e luta livre.
Pelé, que mantém o topete em 2044 apesar da idade, disse
(sem que ninguém tenha perguntado) que brasileiro não
sabe votar, e opinou que o campeão deste ano será o
Uruguai – que, aliás, também nem está nessa Copa.
Se liga, meu!