A ESTRATÉGIA DE DISSIMULAÇÃO DO PMDB GAÚCHO
por Luiz Marques
agageiro@terra.com.br
"Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esboçando"
- Graciliano Ramos, em Vidas Secas -
O PMDB "do Rio Grande" pagou para ver. Numa alusão clara ao
desafio do PT, lançou "comerciais" de rádio e TV onde
coteja os governos de Rigotto e Olívio com números que
embaralham os investimentos federais (vultosos) com os estaduais
(irrisórios) para escamotear as inações
peemedebistas na atual gestão. A direita deu-se conta que
não sustentará uma campanha baseada apenas na
"questão ética". Optou, por isso, por uma deliberada
confusão com a intenção de desacreditar as
comparações transformando-as numa guerra de
números fictícios e realizações de papel. O
primeiro dos três governadores da sigla, no pós-ditadura,
Pedro Simon, fez o mesmo com suas famosas "estradas de papel". O fruto
nunca cai longe da árvore, como se nota.
O próximo passo é previsível: passar para a
sociedade civil a idéia de que cada partido inventa suas
estatísticas, o que torna todas elas inconfiáveis. Por
trás da aparente aceitação do desafio petista para
o confronto entre as administrações, área por
área, pois, o que o PMDB pretende é desqualificar
qualquer cotejamento administrativo. Afinal, nenhum lhe é
favorável. Esgrime então a demagogia contra a verdade
para invalidar as próprias regras do duelo. O PMDB aposta na
falência da disputa programática – assentada sobre
ações governamentais concretas – para que possa
reatualizar o tema da "ética na política". No seu caso,
aliás, "cinismo na política".
O arsenal de manchetes negativas sobre o PT, disponibilizadas pela
imprensa no último ano, só terá um efeito
instrumental nas eleições se o PMDB conseguir retirar da
agenda política a disputa de projetos e programas (o PSDB e o
PFL tentarão fazer o mesmo em nível nacional, onde
também evitarão medir-se administrativamente com o
governo Lula). A direita, assim, busca compensar a dificuldade em
defender de forma transparente a retomada das políticas
neoliberais, cujas conseqüências foram sentidas pelo povo
durante o duplo mandato de FHC e condenadas nas urnas em 2002. Mas para
que esta estratégia coloque-a em condições de
competir com a esquerda, a direita precisa fazer com que as
comparações estejam permanentemente sob
suspeição de um excessivo partidarismo. Como não
colou a idéia de que não seriam bem-vindas na campanha
por evocar um "revanchismo", o que implicava uma rendição
tácita ao governo Olívio (e ao governo Lula), só
lhe restou aprofundar a desconfiança dos eleitores com a
política e os políticos.
O problema é que, quanto maior for o desgaste da esfera do
político aos olhos dos eleitores, menor será o
crédito às denúncias de caráter
ético e moral lançadas pelos partidos políticos,
à gauche ou à droite. Esta é a
contradição da direita. Não há como Rigotto
(e Alckmin) resolvê-la sem revelar os seus compromissos com o
Estado-mínimo e as privatizações, tanto do
patrimônio do Estado, quanto da vida dos indivíduos. Mas
nem por isso pode-se considerá-los "cachorros mortos". Sobretudo
porque, para que suas posições de fato fossem conhecidas,
seria necessária a existência de um autêntico
espaço público: o qual não se confunde com as
"informações" que a mídia despeja sobre a
cidadania reforçando a fragmentação das
consciências, nem com as "publicizações" que fazem
do público sinônimo de publicidade , nem com o conflito de
"versões" que substitui o debate assentado em argumentos
racionais pela polêmica na propaganda eleitoral gratuita.
Só é possível se falar em espaço
público num ambiente de interlocução horizontal
entre os sujeitos interessados. Fora disso, a formação da
opinião pública dá lugar aos simulacros da
"sociedade de espetáculo".
Em resumo, nada indica que o eleitorado acumulará discernimento
político até outubro. Mais: nada indica que a esquerda
conseguirá dissipar, neste curto período, a subjetividade
antipública legada pelo neoliberalismo às classes
médias, que já traduziram esta tendência
antipública num antipetismo nas eleições
municipais de Porto Alegre e São Paulo, em 2004. A
história está em aberto, não nos enganemos com as
pesquisas. A vitória em 2006, como nunca, dependerá da
mobilização dos militantes e de uma permanente "guerra de
posições" para desconstruir a estratégia de
dissimulação do PMDB "do Rio Grande" (e do PSDB/PFL
nacionalmente). Antes que, diante da exposição da
realidade político-econômica precária que em si
já denúncia seus discursos irreais, Rigotto esconda-se
também sob uma indecente greve de fome.