SÃO PAULO
por Cesar Brod
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É estranha a minha relação com São Paulo. Lembra a de uma namorada antiga. Depois de um fim doído, só ficam as boas lembranças. Abri a janela do 12.o andar de um hotel na Faria Lima pra poder dormir com o barulho dos carros e da buzina que ouço longe em um túnel que nem sei qual é. Me relaciono com a cidade com um carinho que não tem mais porque, pra sonhar com caminhos de volta que não quero e nem mais existem. O carinho agora é um carinho novo de tudo o que uma vez já foi. As luzes nas janelas vizinhas escondem de mim tudo o que podia ser e não foi, nem será.

Caminhar pelas ruas (onde tanto caminhei) trazem uma saudade estranha de um não querer voltar. Mas o que antes era desgosto é agora uma melancolia que define-se em si, e não requer explicação. São Paulo traz a delícia e a dor de que sou mais um anônimo, outra vez, e me divirto com isto. A cidade tem seus perigos dos quais ainda não dou conta, e navego imune por esquinas novas --- pois mesmo as esquinas velhas não se conservam a cada novo dia. São Paulo tem esta coisa de não repetir rostos, histórias e dores. São Paulo é sempre inédita em seus prazeres e descuidos.

São Paulo não dorme e não me deixa dormir. A necessidade de um estar presente, sempre, contagia até mesmo a quem não deveria mais ser estranho. E a São Paulo sou tudo, menos estranho. O mapa mental que tenho das cercanias me faz identificar que alguém cantou os pneus na Berrini, e outro ainda volta tardiamente da praia, em plena segunda-feira à noite, pela Bandeirantes. Os aviões voam baixo na noite sem núvens da Ruben Berta, aqui perto. Chegar em Congonhas é sempre um rasante incômodo, mas necessário. O ritmo da cidade é necessário. Uma inevitável música em acordes dissonantemente dodecafônicos. Pierrot Lunaire Remix. Schoenberg revoltando-se na tumba.

Segue sem meus agrados, São Paulo. Mas não te odeio mais. Antes: te odiar como odiei beira um amor ao qual não consegui explicar, e ao qual eu não sobreviveria. Fugi de ti pra me encontrar em mim, e pra poder te visitar como quem visita um primeiro amor ao qual não se volta mais. Segue adiante teu rumo do qual não faço parte, do qual não faz parte ninguém. Reinventa-te como sempre, no infinito coletivo da soma dos teus anônimos.