A ÚLTIMA DANÇA
por Bela Figueiredo
belafigueiredo@gmail.com


Queria morrer picado por uma vespa azul e rara, num safári na África. E que isso acontecesse quando ele estivesse sentado no lombo de um elefante. Rápido. Sem sofrimento. Nem dor. Como todos queremos.

Enquanto a morte não lhe soprava um hálito frio no rosto nem lhe convidava para a última dança, ele seguia vivendo entre lençóis de cetim, filmes antigos e telefonemas para a avó e os poucos amigos.

A vida fluía segura, pois não comprando uma passagem para a África, continuaria vivo no seu exílio na montanha "onde sempre temos três graus a menos que na cidade, minha querida", repetia sempre que perguntado por que havia se afastado do Centro e suas facilidades.

Noite dessas, entre bourbons e cigarros fumados em piteiras para não manchar os dedos, me contou que na sua família as pessoas morrem ou a facadas ou de acidente de trem ou engasgadas. Desafiávamos mais uma vez a vida falando sobre a morte. Que tolos nós dois! Moços se ocupando do porvir.

A possibilidade de morrer num acidente de trem era remota, já que pilotava um off road. "O engasgo", eu disse, "se resolve com uma bucha de pão goela abaixo", agora, a facadas é bem provável, pensei bem baixinho pra nem eu mesma ouvir. O meu amigo tem ímpetos que poderiam lhe render um belo corte na garganta: a língua afiada. E mortes talhadas à faca são passionais, ocorrem, freqüentemente, entre machos - coisa de homem para homem.

Secamos a última gota da garrafa, apertei um cigarro no cinzeiro enquanto meu amigo sorria. Deitei no colo dele com uma quase certeza (se é que existem quase certezas; às vezes chamam isso de intuição, mas não acredito muito) de que eu choraria ao lado do corpo dele num lindo dia de sol, distante ainda, e guardaria nossos pequenos segredos como pedras raras. Nesse dia, eu lamentaria não lhe ter comprado um safári para a África, onde seu desejo teria se realizado.

A única certeza é que a senhora lânguida um dia vem e a minha família vai aos noventa fácil. Meu amigo, sei, não assistirá a minha ultima dança pois enverga a beleza dos que morrem jovens.