A
INTERNET NÃO EXISTE
por Eloar
Guazzelli Filho
Foi
assim que o velho cineasta respondeu a respeito do uso pirata de seus
filmes em diversos sítios da web. O repórter que praticamente tinha
nascido com a rede mundial de computadores não podia acreditar e
repetiu a dose.
O
velho cineasta que era contemporâneo do teletipo respondeu com a mesma
calma de antes.
- A
Internet não existe.
Mas
resolveu emendar porque estava com medo do olhar apoplético do seu
interlocutor.
- A
Internet só existe enquanto seus feixes de luz forem alimentados por
alguma forma de energia. Pelo menos dessas fontes que hoje conhecemos.
No dia em que faltar alimentação ela vai simplesmente fazer poft. Com
suas wikipedias, sítios, blogs, comunidades e naus piratas.
O
repórter estava a beira de um ataque de nervos mas ainda teve forças
pra perguntar o que ele faria com seus filmes.
O
velho sorriu.
-
Tenho um projetor manual e vou coloca-lo num castelo que
possuo perto de Avignon. E de tempos em tempos irei reunir algumas
pessoas para demoradas projeções. Na verdade vou pedir para alguém mais
novo me ajudar.
O
repórter pediu licença e foi no banheiro recarregar suas baterias com
aquele farelinho brilhante que agita as moléculas.
Eu
não estava lá, na verdade alguém me contou esse episódio no meio da
fumaça numa dessas festas paulistanas. Acho que foi porque eu
depositava minhas últimas esperanças presse pobre planeta desgovernado
numa falta geral de energia. Um apagão mundial.
Não,
eu não sou ludita. Pra quem não sabe (fui ali no google que não existe
e dei uma confirmadinha) luditas é o nome que se deu para os seguidores
de Ned Ludd, o líder de uma revolta de artesões lá no séc XVII. Eles
quebravam as máquinas recém introduzidas pela dita Revolução Industrial
porque segundo sua visão elas provocavam desemprego. E era verdade,
ainda que ficassem estigmatizados como reacionários lutando contra o
progresso. Enfim, não é minha intenção embarcar nesse atoleiro
histórico-antropológico e só quero deixar claro que acho muito bom
dispor das regalias tecnológicas que a rede me deu, tanto é que me
modernizei a ponto de coordenar uma equipe de desenhistas à distância.
Estou fazendo a direção de arte do longa-metragem Fuga em Ré
para Kraunus e Pletskaya (da Otto Desenhos Animados) daqui de São
Paulo. Graças a esses feixes de luz consigo trabalhar sossegado e ainda
evitar as tentações da esbórnia portoalegrense (gastei 38 anos da minha
vida nela...). Também graças a web posso fazer frelas para
clientes que nunca vi. E ainda recebo meu pagamento por vias
eletrônicas. Tudo isso é muito lindo e prático mesmo. Claro
que tem as contrapartidas perigosas como esse maldito Orkut
que traz de volta criaturas do passado que a gente faz terapia pra
esquecer .
Mas
isso não é o suficiente pra nos tornar luditas. O problema é que cada
vez mais tenho a impressão que à sofisticação dos aparelhos corresponde
uma pobreza imensa e crescente das almas que as manipulam.
Deus
do Céu! olhai esses textos comoventes da web, correntes, correntinhas,
chororicos clçasse média e ainda por cima na vida real tropeço
com esses trechos horrorosos de intimidades que a gente tem
de escutar nos elevadores da vida, cercados por esses
telefoninhos e suas musiquinhas infames. E lá vamos escutar histórias
de anjos e arcanjos, previsões dadas por Runas eletrônicas,
recheadas por conselhos de Budistas baratos.
Isso
sem contar os camionetões, os fones de ouvido, a tv do metro, os filmes
nos ônibus, a bienal, as bienais. E eu nem falei dos mísseis coreanos,
paquistaneses, israelenses, texanos...
Não,
eu não sou ludita, mas acho que só o silencio pode nos salvar.
E
só cortando a luz pra trazer o silencio de volta, ainda que nos
primeiros eternos minutos do grande apagão o que a gente vai escutar
mesmo é o grito histéricos dos banhistas pegos em cheio pelas águas que
voltarão a ser geladas.
E
eu vou pegar meu tacape, um bloco com um toco de lápiz e daí tomar o
rumo do castelo daquele velho cineasta.
Eloar Guazzelli Filho
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