Pandemia minha de cada dia por Alice D. Trusz Pular Carnaval no domingo Entrar em isolamento na segunda-feira Ver o mundo pela janela, pela porta, pelo corredor, pelo buraco do computador Festivais de cinema em casa, quatro filmes por fim de semana Visitas virtuais não feitas a museus Amigos pelo google meet Um e-mail e uma musiquinha por dia O dia do primeiro passeio (ao supermercado) Máscara no rosto ao sair Álcool gel pra descontaminar Sabão nas mãos ao voltar Caminhões de caixões com mortos italianos sucedem-se na televisão Ler noticiário, sofrer noticiário, chorar noticiário Desgoverno, desrespeito, desespero, desânimo Medo de ser contaminado, sufocado, hospitalizado, entubado Adoçar a vida com bolos de coco, de milho, de chocolate e maçã Amargar na balança com bolos de coco, de milho, de chocolate e maçã Esteira elétrica: nova amiga e confidente O dia do grande passeio (ao supermercado) Máscara no rosto ao sair Álcool gel pra descontaminar Sabão nas mãos ao voltar Secador de louças escorre frutas Toda mesa é mesa de trabalho Toda cadeira é armário No varal, sacos, sacolas e notas de 20 reais Flores ocupam copos que não brindam mais Nos cabides, roupas "de sair" jazem feito espantalhos vazios No corpo, roupas "do dia a dia" arejam por novos buracos O dia do necessário passeio (ao supermercado) Máscara no rosto ao sair Álcool gel pra descontaminar Sabão nas mãos ao voltar Nas lives, sertanejos bebem pra não ser esquecidos Eu bato palmas no meu quarto vazio para Jorge Drexler que canta Multiplicam-se diários literários do isolamento de cada um Janelas enquadram a rua proibida nas fotografias O cotidiano do homem encarcerado em sua própria casa vira filme O dia do tedioso passeio (ao supermercado) Máscara no rosto ao sair Álcool gel pra descontaminar Sabão nas mãos ao voltar Solidão, carência, receio de não ser vacinado Vontade de saber menos sobre incêndios e cuecas corruptas Vontade de viajar pra outro mundo possível Plantar begônias, regar morangos, podar roseiras, colher espinafre A quarentena vai virar quatrocentena Hoje venta, os cães ladram, os pássaros constroem o ninho no meu vaso de jiboia Mas ninguém sabe o dia de amanhã. |
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