Cágados por Jaime Lerner Durante meses só fazíamos contar os mortos, olhos grudados nas telas. Até que a vacina nos liberou para chorá-los nos cemitérios. Nos liberou também para sair dançar, estudar, beber, fazer manifestações, derrubar o presidente. Mas ninguém parecia muito a fim. Uma letargia modorrenta tomou conta dos corpos e ânimos, como se toda a nossa ânsia represada de sair fora gasta na grande aglomeração para se vacinar. Falávamos aos borbotões, dávamos-nos encontrões, passinhos de dança e flertes nas longas horas de fila. Entramos por uma porta e saímos imunes, loucos para extrapolar. Mas na hora de... algo pesou sobre nossas carcaças. Voltávamos às ruas, ao fluxo inexorável da vida e do convívio e do sol. Salas de cinema, ônibus abarrotados, estádios de futebol. Mas já não éramos os mesmos. Todos levávamos a casa nas costas, como um cilindro de oxigênio, como um refúgio para driblar o medo da multidão. Éramos cágados. |
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