Tô apaixonada por um carinha que às vezes me provoca náuseas. Acontece que eu sou da teoria de que melhor mal-acompanhada do que só. Enquanto não aparece o meu príncipe, me entretenho com os vassalos. Mas o carinha, que se chama Marcelo, outro dia teve a coragem de dizer, quando eu comecei a tirar a roupa: "Engraçado, nunca namorei uma menina que usasse calcinha de uma cor e sutiã de outra." Só não perdi o tesão, porque, além do atraso, na mesma hora eu respondi: "Eu também nunca tinha saído com um cara que usasse uma camiseta do Planet Hollywood." Aí ele explicou que só usava a camiseta por baixo da roupa e blá-blá-blá. Calei a boca dele com um baita beijo que garantiu o sucesso da noite. Uma amiga minha já tinha dado a letra que ele era um banquete. E tava certa. Ele é daquele tipo animal que age por instinto, exclusivamente. Curte, ao mesmo tempo, o cheiro, o sabor, o tato, o olfato, o olhar, desperta a cobra, faz tocar cornetas, acrobacias, etc.
Pena que bom sexo e inteligência nem sempre venham juntos. Se o cara diz uma besteira bem grande, principalmente na hora da transa, tá acabado. Vai dando um enjôo, que não tem tesão que agüente. Uma brochada, uma ejaculação precoce, perguntar se tava bom, tudo isto eu resisto, mas uma frase grosseira ou burra é difícil. Se o cara é grosseiro, quase sempre o desodorante dele, ou o perfume, também vai ser. E ele vai fazer questão de usar em excesso. Mas o Marcelo tem cheiro bom. Acho que das roupas lavadas pela mãe dele, que ele ainda não tem máquina.
Mas eu ainda tô com esse homem porque, ao mesmo tempo que ele é meio correntão, ele é bem-humorado e consegue fazer brincadeiras boas, que afastam minha eterna irritação com tudo. Nas piadas ele é ótimo. O problema começa na hora da comida. Ele chega na cozinha, abre o refrigerador e pergunta: "Mas não tem presunto pra fazer um sanduíche?" Já cansei de dizer pra ele que sou vegetariana e que nunca vai ter presunto em casa. Mas ele pensa que o vegetarianismo é um estado de espírito, não tem fundamento científico, que é moda, e que naquela semana talvez eu já possa ter mudado de idéia.
Ou então pergunta: "Mas não tem Nescau?" "Não, eu não como açúcar branco. Por que, quando tu vem aqui, tu não traz um ranchinho de porcarias, como Coca-Cola e batatinha frita?" Aí ele responde: "Tá bom, vou descer e comprar uma chuletinha pra fritar." Quase tenho um troço: "Bah, Marcelo, não vai dar. Vai ficar o maior cheiro de bife na casa." Ficou furioso: "Bom então eu vou pra casa, fazer um lanche. Eu não agüento mais arroz integral, feijão e o que é pior - nabo na salada." Foi-se. No mínimo foi comer na casa da mãe dele uma vitela bem novinha. Azar. Isto é que dá morar nesta terra de churrasqueiros.
Aqui no sul é difícil achar algum
que não seja totalmente carnívoro, ou louco por uma cerveja.
No domingo, o cheiro de churrasco na cidade é tamanho que eu me
sinto em Auschwitz. O chimarrão até que não incomoda
tanto, principalmente agora que tão botando maconha dentro. O Marcelo
diz que só fumou uma vez um baseado e que passou mal. Um baseado
e quatro caipirinhas de vodca. E fica culpando o baseado. Mas será
que ele volta amanhã? Eu até fingiria ver a final da Libertadores
na TV, no colo dele, principalmente depois que ele perdeu parte de um jogo
do Grêmio pra transar comigo. Deve estar apaixonado mesmo. Tá
tocando o telefone. Será que é ele?
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