NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS II A POLÊMICA "No fundo da China existe um mandarim, mais rico que todos os reis de que a fábula ou a história contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver; e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro. Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?" O Mandarim, Eça de Queiroz
Meu texto sobre o tal site da fome (ver
Não Existe
Almoço Grátis, Não Ao Vivo)
provocou alguns e-mails, a favor e contra. Como esta
edição está carente de polêmicas, reproduzo-os aqui
(parcialmente), junto com minha resposta.
Ao Ombudsman Virtual e a Laura (...) informo que não tenho nada contra a caridade. O que me irrita profundamente é a exploração da miséria e do nosso sentimento de culpa para fazer PUBLICIDADE. Inventaram agora o patrocínio da esmola e os moribundos virtuais. Quem é esse faminto que eu salvo com um clique de mouse? (...) Há milhares de sites na internet que pedem doações para todo o tipo de ação social, suponho que muitos deles bem intencionados e efetivos. Há também telefones pelos quais você pode fazer doações. E casas de caridade (e hospitais e creches e associações comunitárias) que levam os carnês de contribuição na sua casa. A propalada vantagem do tal site é a "comodidade" do doador. O que me irrita neste site é o cinismo cruel da sua lógica: "salve uma criança da fome, é de graça! Basta você dar um clique no nosso patrocinador". Acredito que a caridade, o gesto anônimo de quem se comove com um drama visível, é nobre e louvável. Mas quem pára um segundo para pensar sabe que esta caridade internética, que apela para o salvamento de uma vida com o critério de que isto é fácil e "de graça", não só não muda em nada a miséria geral (mesmo que a tal xícara de grãos chegue a um faminto real) como serve de alívio a tensão social que, esta sim, pode mudar alguma coisa. Serve para que as pessoas de bem aliviem sua culpa sem ter que olhar o faminto de frente, sentir seu cheiro e enfrentar seu olhar de desesperança. Serve para que o patrocinador venda seu peixe e para que pessoas de boa fé, como a Carla, durmam "mais leves" com a sensação de ter colaborado para diminuir o fosso social que divide o mundo. Você, agora que sabe do site, vai acessá-lo todos os dias? Se não, vai se sentir culpado por desperdiçar seus momentos de internet em outras atividades que não a de salvar vidas? E todos os outros milhares de sites que pedem doações, vai procurá-los? Eu não, me desculpe. Prefiro dar arroz de verdade, a um faminto de verdade, na esquina da minha rua. Sem anúncios de remédio. Jorge Furtado ----------- Caro Jorge Furtado. Na verdade, após dar o clique no mouse e enviar a você minha mensagem, vi que o que se acometera sobre mim foi um curto porém grosso instante da mesma raiva que julguei em seu texto. Indignado com sua capacidade de não clicar o mouse num patrocinador que dará uma xícara de arroz a um faminto e, ao mesmo tempo, escrever um longo texto criticando quem o faça por não ser tão inteligente quanto você é que justifico minhas palavras. Pois se você dá comida a um faminto não-virtual, ótimo. Mas não é melhor, por mais ou menos filantrópico que se seja, dar um cliquezinho no tal patrocinador do que não dar e ainda perder tempo julgando pouco inteligente quem o faz? Virtual Ombudsman
*********************************************** Recebi agora (terça, 20/7, 13:42) um e-mail anônimo sobre o assunto: Há poucas semanas, a Internet foi sacudida com a notícia de um website que estaria canalizando doações de comida para países do terceiro mundo, cujas crianças a maioria com menos de 5 anos estariam morrendo de fome à razão de 3,6 por segundo. Horror total, evidentemente. O The Hunger Site (http://www.thehungersite.com) seria, dessa forma, uma iniciativa humanitária do mais alto quilate, capaz de transformar o dinheiro de seus "patrocinadores" em porções salvadoras de comida para países como Bangladesh, Chade, Iêmen, Paquistão, entre outros. A verdade, infelizmente, pode ser outra, bem diferente. O patrocinador que se apresenta no site com mais freqüência, um laboratório que fabrica um derivado de aspirina chamado Heart-Trex, não existe na Internet. O próprio remédio não tem registro no FDA (Food and Drug Administration, em http://www.fda.gov), que é o órgão regulamentador dos medicamentos nos Estados Unidos. Além disso, as citações de reportagens e colunas publicadas em veículos como o USA Today, Internetnews.com e CNN Radio, para ficar apenas nos mais conhecidos, não foram encontradas dentro dos websites desses veículos. Na Network Solutions, que administra o registro de domínios na Internet, consta que o dono do The Hunger Site é Otis Clapp, cujo e-mail é jbooh@yahoo.com (!!), um domínio gratuito. Tudo muito estranho, para dizer o mínimo. Pode ser o embrião de um spam em escala planetária. Fiquemos de olho. ----------
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