>por Giba Assis Brasil
Uma vez eu li que, a partir de um certo momento na sua vida, o Sartre escrevia as cartas dele em duas vias: uma pro destinatário e outra pro editor. Pensando, é claro, em facilitar a futura publicação da sua "correspondência completa". Sempre achei isso o tipo da coisa estúpida, pretensiosa, viada e que eu gostaria de fazer depois dos 40 anos. A vantagem é que, agora, não precisa mais papel carbono, nem editor, nem muito menos Sartre. Bastam o Control-C e o Control-V. E a crença, cada vez mais disseminada, no dadaísmo internético.
Feliz novo milhar pra vocês.
(Com um agradecimento especial aos milhares de leitores (tá bom, foram 2!) que gostaram da minha picaretagem anterior. Valeu, Galera e Cris!)
>pro Luiz Garcia 02/02/99
Não entendi o que aconteceu pra que uma mensagem tenha se perdido e a outra não. E não é a primeira vez que me acontece isso. Mas, segundo a Veja, assim que privatizarem o Banco do Brasil e a Polícia Federal, este tipo de problema vai ser coisa do passado.
Não estou assistindo "O Reino", não tinha ouvido falar que estava passando e não tenho Eurochanel na minha TV. Pena. Mas ouvi falar que, tão logo seja privatizado o Ministério das Comunicações...
Merda essas coisas de troca de governo e mudança de projetos, como parece que está acontecendo aí em Aracaju. Merda isso de colocar a culpa na crise, e usar a moratória do Itamar como justificativa pra subir o dólar, não sancionar a lei, não pagar o prêmio. Merda! Merda! Merda! Mas o Estadão garantiu que, assim que privatizarem o Palácio do Planalto e o prédio do Congresso...
Como diria um carioca, se fosse mineiro, "a pressão arterial está onde sempre esteve".
> pro Luiz Fernando Lima 15/03/99
Acabo de instalar o ICQ no meu micro e ver o teu nome na lista de usuários que ele cria quase que compulsoriamente a partir do meu catálogo de endereços.
Imagino que isto significa que, a partir de agora, a qualquer momento, eu posso estar aqui tranqüilamente pesquisando informações sobre os moluscos da Manchúria e você aparecer num canto da tela pra perguntar por que eu ainda não respondi a mensagem do peido. Ou você, fazendo tempo entre dois jantares de negócios no 43º andar das organizações Globo, tentando descobrir quanto a Gabriela Sabatini ganhou de prêmios em 1994, quando de repente eu entro e lusitanamente digo: stá lá? Tudo bem, mas já vou avisando: sexo virtual nem pensar! mesmo com a participação da Gabriela ou dos moluscos.
> pro João Antônio Porto 15/03/99
Esses dias, numa daquelas páginas de "frases do dia" de que os nossos jornais e revistas gostam tanto, vi uma atriz qualquer citada por uma frase impressionantemente banal a respeito do amor, da vida, das relações humanas e do futuro do universo. Imaginei que a pobre, quando disse aquilo, e SE disse exatamente aquilo, provavelmente não supunha a dimensão que a frase ganharia ao ser transformada em "frase do dia". Imaginei mais: imaginei a moça vendo aquilo e comentando despretensiosamente com um amigo algo como "O duro de ser famoso é que qualquer coisa que a gente diz termina virando UMA FRASE." E, no dia seguinte, no mesmo jornal, na mesma página - o tal amigo era um informante! - o texto entre aspas, em negrito e seguido do nome dela entre parênteses: "O duro de ser famoso é que qualquer coisa que a gente diz termina virando uma frase".
> pra Lúcia Murat 22/04/99
Estive a semana passada em São Paulo, como júri do É Tudo Verdade. Lembrei da frase do "Passageiro" do Antonioni - "Um jornalista não faz parte da História, porque está condenado a contá-la". E pensei em acrescentar: "Ou a fazer parte do júri".
Ah, a Fundacine? É uma novidade pós-moderna que a gente inventou pra convencer o PT de que a Lei do Audiovisual é um mecanismo trotskista de distribuição de renda, e ao mesmo tempo provar pro PSDB local que o Orçamento Participativo é a forma de parceria por excelência do terceiro milênio.
> pro Alberto Groisman 22/04/99
Mas a vida é bela, o Grêmio perdeu dois jogos esta semana e um dia eu ainda vou conseguir sair do Windows sem travar. Não sei se tu vais ler isso em Porto Alegre, provavelmente não, e se tu conseguires, e chegares a me ligar, eu provavelmente não vou dar retorno, já que tenho passado em casa pouco mais que o tempo necessário pra ler diariamente 10 páginas de Monteiro Lobato pros meus filhos, antes de cair no sono invariavelmente antes deles.
Em todo caso, dá uma olhada no Não na Internet, especialmente a seção "Não era assim", que está desatualizada porque nossos 36 estagiários estão em greve por não conseguirem mais abrir as páginas dos velhos exemplares deste nobre órgão de imprensa sem serem atacados de asma, artrite e acaríase aguda - isto pra só falar nos problemas que começam com A.
> pro Pataco Madureira Coelho 18/05/99
Fiquei emocionado com o teu presente (o livro do Clifford Simak, "City"). Sentei na frente do computador umas 20 vezes pensando "tenho que responder pro Pataco" e terminei deixando pra depois, um pouco por falta de tempo, um pouco por excesso de tarefas, um pouco por não saber como responder à altura. Valeu, Pataco. Valeu o presente, valeu a lembrança e valeu pra aumentar a minha culpa.
Agora, pensando bem, tu acabaste de desmoralizar o meu texto (Internet e o anti-Fausto, Não 55): no final, eu dizia que "vou ter que procurar numa velha biblioteca, quem sabe num sebo. Nem tudo está perdido." E tu encontraste justamente na Amazon, na Internet. Tudo está perdido?
> pra Nilda Jacks 19/05/99
O dicionário do Fischer é uma maravilha, um achado, uma daquelas coisas que vão ficar na história da cultura desta cidade. Eu já estava acompanhando ele (o dicionário) há algum tempo pelo ABC Domingo (sou assinante, mais uma forma de não ler a Zero Hora, sem precisar ir pra Dinamarca), e convenci-o (o Fischer) a publicá-lo (o dicionário, pô!) no Não. Mas, de lá pra cá, o alemão (o Fischer, claro) recebeu uma proposta irrecusável pra transformar o portoalegrês (ai, ai, ai, o dicionário) em livro e lançá-lo na Feira. Claro que, neste caso, a publicação de graça no Não fica prejudicada. Mas vou tentar convencê-lo (de novo) a nos dar mais alguns trailers, tipo assim preparando o lançamento do "Phantom Menace". Quem sabe.
> pra Luciana Tomasi 25/05/99
Mandei uma mensagem pro Marcos Manhães, pedindo encarecidamente que ele liberte os teus pezinhos presos pela neve, pois do contrário um dia a formiguinha crescerá e desejará vingança.
> pro Carlos Gerbase 26/05/99
Boa pergunta: por que "software" não tem plural?
Por que "information" não tem plural? Por que "pára-raios" tem hífen? Por que "nascimento" se escreve com "sc" e "nasço" com "sç"? Por que a matéria atrai a matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado da distância? Por que o vento é fresco e a mata é virgem? Por que, na adolescência, a voz da gente desafina? Por que, agora que eu tenho mais de 40 anos, a minha voz continua desafinando?
> pro Mauro Borba 07/06/99
Quanto ao "Cafezinho nas TV", as duas vezes em que o vi eu realmente não gostei: parecia que tu tava querendo dizer alguma coisa séria e o Arthur e os outros insistindo em fazer piada em cada frase, em cada gesto - uma coisa que eu pessoalmente acho muito irritante. Gosto muito do que o Arthur escreve, e das músicas dele, mas me irritei com as palhaçadas dele na TV. E, sinceramente, tive a sensação de que tu tava fazendo papel de bobo tentando ser sério no meio de tanta bobagem.
Claro que é uma "crítica pela semelhança" - a gente sempre tende a ser menos condescendente com o que é mais parecido conosco. Eu sempre defendi o direito de dizer bobagem, e mesmo de ser sério no meio da bobajada, e o Não é um exemplo vivo disso. Mas talvez seja também conseqüência da minha extrema dificuldade em ver TV nos últimos 20 anos - é tudo tão igual, tão bobo, que eu tendo a exigir dela mais do que ela pode dar, sei lá.
> pro Guilherme Galarraga 21/06/99
A Casa de Cinema vive dos filmes que ela produziu e produz. Nosso ponto de vista, em princípio, é o seguinte: se tem algum filme nosso passando em algum lugar, nós temos que ser pagos por isso. É fácil chamar esse ponto de vista de "mercenário", é cômodo dizer que ele é apenas "profissional", é difícil definir os limites entre as duas coisas. Na prática, sessões em vídeo na Fabico de filmes feitos há mais de 10 anos NÃO ESTÃO entre aquelas de cuja cobrança nós não abrimos mão. Formação de público nos interessa, claro, mas também mudança de mentalidade: nossos filmes são exibidos seguidamente na Europa, e lá ninguém pergunta se dá pra passar de graça - direito autoral é sagrado!
Feito o discurso, OK! Vamos exibir o "Dorival" na Semana de Vídeo, de julho ou de agosto. Entre em contato pra acertar a data.
> pra Patrícia Rocha (ZH), 03/11/99
Alguém já disse que o bom livro é aquele que a gente pensa que poderia ter escrito. Mas talvez o verdadeiro "livro de formação" seja aquele que a gente percebe que precisa ler muito mais antes de chegar lá.. Foi aos 16 anos que eu li pela primeira vez O POPULAR, do Luis Fernando Verissimo. Ele me encaminhou pra muitas outras leituras: política, cinema, literatura, quadrinhos. E com aquele texto limpo, claro, irônico, que a gente sempre acha que vai conseguir imitar.
> pro Luis Augusto Fischer 09/11/99
Realmente, eu tenho uma tese a respeito do TRI, mas acho que não consegui te explicar direito. O que eu me lembro é o seguinte. Quando o Brasil foi tricampeão mundial no México (21 de junho de 1970), os gremistas passaram a se considerar "mais tricampeões" que os colorados, porque eles tinham o Everaldo, aquela ferida, na lateral-esquerda da seleção. "Nós somos tri, vocês não", eles diziam. Pouco mais de um ano depois (22 de setembro de 1971), o Inter ganhou do Esportivo em Bento por 2x0, enquanto o Grêmio perdia pro hoje extinto Flamengo em Caxias, 1x0, gol contra do zagueiro Chiquinho. (Tem uma cena lembrando isso no "Deu pra ti anos 70", que não é "um curta do Giba", mas um longa dirigido pelo Nelson Nadotti e por mim.) O Inter virou tricampeão gaúcho por antecipação e os colorados passaram a dizer: "nós também somos tri", ou "nós somos muito mais tri que vocês". O resultado de tudo isso (sustento eu) é que o prefixo "tri" passou a significar "muito", como no francês "trés": tribom, trifeliz, trilegal. E nada disso ocorreu no resto do país.
NOTA: O Daniel Peccini, colaborador do Não e torcedor grená como o Iotti, lembra que o Flamengo não foi extinto, mas transformou-se no Caxias de hoje.
> pra Caroline Chang 10/11/99
Ora, não me venha com essa. Acho que as pessoas devem cuidar onde sentam, sim, em qualquer circunstância. Mas essa da agulha envenenada com HIV é tão provável quanto, sei lá, ser metralhado por um estudante de medicina num cinema de shopping, ou pior: o Inter cair pra segunda divisão.
> pra Milena Weber 30/11/99
Espero que tu não tome isso como desaforo, mas eu apaguei sem abrir a "Morte do Bill Gates" que tu me mandaste. Não abro anexos executáveis enviados por ninguém, nem pela minha mãe. (Isso é mais ou menos como a namorada dizer pro namorado: "não dou sem camisinha nem pro meu pai", mas paciência...) Já perdi muito tempo reformatando meu disco rígido por causa de vírus recebidos pela Internet. (Aliás, "disco rígido" também deve ter conotações sexuais, mas deixa pra lá.) Um beijo. Com antivírus.
> pra Revista Bundas 22/12/99
Caro Ziraldo: Li, com um certo atraso, a tua argumentação ("Feliz milênio novo já!", Bundas 26) e me convenci. Você tem toda razão. Não é no ano que vem. É agora, dia 31 de dezembro de 1999, um instante antes da meia-noite, que acaba o século 19. Obrigado pelo esclarecimento.
> pro Rafael Spuldar 24/12/99
Acho que a gente precisa de ciclos, e todo ciclo tem que ter um fim pra poder ter um recomeço. Seja no final do ano, seja no aniversário da gente, do Che Guevara ou dum cara que nasceu há bem mais tempo que o Papa Gregório. Quando termina um ciclo (e começa outro), a gente pára pra pensar que ficou mais sábio ou mais ignorante, mais perto ou mais distante de algumas coisas ou de algumas pessoas, mas sempre e inevitavelmente mais velho. E aí a gente precisa dizer isso pra mais alguém. Bom ano novo.
> pro Fabiano Goldoni 26/12/99
"Acreditar no zero", pra mim, significa "acreditar que o zero exista como número" e não "acreditar que o monge Dionísius Exíguus, que no século 5 foi incumbido pelo Papa de calcular há quantos anos Cristo tinha nascido, sabia o que estava fazendo".
Como o LFV lembrou estes dias na coluna dele, o tal Dionísius, bispo da Cítia (atual Armênia) não conhecia o número zero, porque na época a cristandade toda não conhecia o número zero (ao contrário dos árabes). Por isso, determinou que o "ano domini" tinha acontecido há quinhentos e alguns anos, chamou o "ano domini" de 1, o posterior de 2, etc., e o ano anterior ao "ano domini" de "1 a.C..", e o anterior a ele de "2 a.C.", etc. Ou seja: ele não chamou ano nenhum de "ano zero" porque a noção de zero simplesmente não fazia parte da cultura matemática da época. Por isso, o período que vai do ano 1 ao ano 100 é chamado de "século 1" e não de "século zero", e é por isso que nós hoje estamos no século 20 (e vamos continuar nele por mais 371 dias).
Quando os cristãos entraram em contato com a cultura muçulmana (cientificamente muito mais avançada), adotaram o conceito de zero e chuparam inclusive os algarismos arábicos (nossos amigos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, bem mais prafrentex que os I, II, III, IV, V, VI, etc que nosso trisavós usavam até então). Mas aí a cagada já estava feita, e o primeiro milênio terminou em 31 de dezembro de 1000 (ou XXXI de XII de M, já que muitos caras ainda insistiram nos algarismos romanos por algum tempo).
Tem mais: como o aniversário do J.C. é em 25 de dezembro, e como não houve ano zero, o Cara na verdade nasceu no ano 1 a.C. É isso mesmo (como já disse há muito tempo o Millôr): Cristo nasceu antes de Cristo! Por quê? Porque o tal monge e seu chefe resolveram que o primeiro ano ("ano domini") deveria iniciar não no dia em que o Fulano nasceu, mas uma semana depois, NO DIA EM QUE ELE FOI CIRCUNCISADO. Ou seja: todo este papo de milênio na verdade não é pra comemorar o nascimento de uma criança, mas o corte de um prepúcio.
Mas ainda tem o pior. Hoje se sabe que o tal monge errou feio nos cálculos, e Cristo na verdade nasceu 7 anos antes do tal "ano domini". Como é possível saber isso? Primeiro: porque há documentos, parece, incontestáveis, provando que o tal recenseamento promovido por Herodes ocorreu no ano que hoje nós conhecemos como 7 a.C. Segundo: porque, de acordo com os astrônomos, uma das passagens do cometa de Halley pela Terra aconteceu exatamente no finalzinho do ano 7 a.C. Percebeu? a tal estrela guia é a mesma que continua nos visitando a cada 76 anos e uns quebrados.
Enfim. Na verdade a simbologia disso tudo é ainda mais inconsistente que a cueca (branca? minha mãe sempre falou que tinha que ser amarela, vai ver foi por isso...), mas pelo menos é universal, ou pretende ser. Em todo caso, se você entende que "acreditar no zero" significa "crer que, em algum momento da história, houve um ano zero, independentemente do tal Dionísius, que deu uma racionalidade maior pra esse calendário", então nesse caso eu não sei o que eu estou fazendo aqui. Aliás: o que é que eu estou fazendo aqui?
Mais uma vez: bom ano novo. Seja lá o que for isso.
Leia primeira seleção de ITENS ENVIADOS no Não 67.
Diga NÃO à depravação.