A GLOBALIZAÇÃO É A LEI DO MAIS FORTE
por Alessandro Baricco
Quero lembrar que uma boa parte do século que acaba de terminar foi consagrada a evitar um mundo como este. Nunca se procurou tão obstinadamente quanto nestes últimos cinqüenta anos uma maneira de coabitar e enriquecer sem se ver obrigado a se submeter à lei do mais forte. De uma maneira muito clara, é o que foi feito através de dois grandes projetos: o socialismo real e a idéia de Estado- Previdência. Um e outro são quase insultos hoje em dia, mas na origem era exatamente isso: procurar um sistema que não bloqueie o desenvolvimento mas que não seja o campo de batalha onde o mais forte esmaga o mais fraco, amém.
Por que essas pessoas se fixaram um tal objetivo? Porque eles eram bons? Não. Porque eles estavam chocados. Chocados pela vida inumana do operário europeu do fim do século dezenove, chocados pelas famílias americanas precipitadas de um dia para o outro na miséria por uma crise imprevisível da bolsa. Eles tinham entendido que um mundo sem uma rede de solidariedade, sem redistribuição da riqueza, sem proteção para os mais fracos, era um mundo que produzia sofrimentos inacreditáveis e que, ainda por cima, podia se voltar contra você numa fração de segundos: uma espécie de centrífuga que moía os destinos e onde, se você não possui o ritmo necessário para se manter no centro, lhe expulsam rapidamente para as órbitas da miséria de onde você não se arrancará mais.
Eles não eram bons. Eles estavam chocados. Por que pregar a liberalização generalizada aparece como progressista, quando se trata essencialmente de restaurar um mundo parecido com aquele de quem nós queríamos nos livrar há alguma décadas? A globalização, se ela for real, produz efetivamente a riqueza, a modernidade e a paz. O incoveniente é que esse mundo mais rico, mais moderno, quase completamente em paz seria um campo de batalha dominado pela lei do mais forte.
Alessandro Barrico é escritor italiano, nascido em Turim, 1958. Foi crítico musical de La Republica e editorialista cultural de La Stampa. Dirige em Turim a escola Holden, dedicada à técnica narrativa. Tradução de Guel Arraes.