Os motivos que levavam alemães orientais a pular o muro ou levam os cubanos a nadar para Miami nada têm a ver com socialismo. Eles fugiam de ditaduras, com presos políticos, partido único, censura total e exército nas ruas. Em que isso lembra Lula ou o PT? Os exemplos citados por Kleber são, em número, insignificantes perto das multidões de excluídos étnicos e sociais que tentam escapar da fome na África, da morte nos bálcãs ou no Timor, da polícia nas ocupações de prédios e terrenos em São Paulo. O que o socialismo tem a ver com isso? O caso da Indonésia é exemplar: uma ditadura assassina sustentada por décadas pelo governo americano, perfeitamente integrada na economia de mercado, isto é, usando subnutridos para fabricar tênis Nike em troca de bananas.
Se o caso é buscar influências de origem, quem tem boa memória sabe que o PT deve pouco ao totalitarismo comunista e muito ao primeiro grande movimento que lhe fez oposição aberta, os sindicalistas poloneses do Solidariedade. Associar o PT ou Lula à Alemanha Oriental ou a Cuba é sim puro preconceito.
O texto do Veríssimo ("A Solução Barbuda"), lido mas parece que não entendido por Kleber, fala exatamente do medo que as elites brasileiras têm de uma liderança nascida fora de suas estufas habituais, o coronelismo e a tecnocracia. E dizer que o sonho de Lula é repetir os passos de Fidel é mais que preconceito, é uma fantasia que demonstra profundo desconhecimento da história do PT, da realidade cubana em 59 e da realidade brasileira quarenta anos depois.
Também não concordo que Ciro seja um Collor piorado. Se o caso é usar rótulos, Ciro seria, na pior hipótese, um Collor melhorado. As semelhanças fora do preconceito (muita gente acha que Ciro e Collor, um paulista e um carioca, são apenas mais dois nordestinos com vocação messiânica) são poucas: jovens políticos ambiciosos, bons de papo e sem base partidária. A pior semelhança é o apoio da revista Veja. As diferenças são muitas. Ciro é muito mais culto, tudo indica que foi bom prefeito e governador, só ocupou cargos para os quais foi eleito, não é dono de jornais ou estações de tv e tem um patrimônio modesto. Muitas críticas podem ser feitas a sua passagem pelo ministério Itamar, mas nada que se compare aos descalabros de Collor e sua quadrilha. Isso para não falar das primeiras damas.
O rótulo "neo-liberal", imperfeito como qualquer rótulo, serve muito bem para classificar os devotos do deus mercado, que juraram que o aquário seria muito bem administrado pelas ariranhas. Dez anos de governo "neo-liberal" (ou "globalizado", ou "integrado à economia de mercado") produziram apenas mais miséria, violência e concentração de renda. Venderam tudo o que havia para vender, dobraram o desemprego e a dívida e o país termina a década de 90 com o pior desempenho econômico do século. A tal "década perdida" (80) teve crescimento maior que 3%. O que dizer da década de 90, com 1,9% de crescimento? Ou do zero% de crescimento do reeleito FHC? Os liberais provaram mais uma vez - como se precisasse - sua insensibilidade social e sua incompetência para administrar o Brasil. Mais uma vez os escanhoados de sempre engambelaram a patuléia, reforçaram a segurança do condomínio e garantiram seus lucros.
Há quinhentos anos a elite deste país vive às custas
da miséria e do trabalho escravo. A cada dez anos eles inventam
uma nova maneira de deixar tudo exatamente como está. E sempre que
surge alguém disposto a melar a brincadeira, distribuir renda e
fazer o estado servir a maioria, eles sacam seus preconceitos, seus profetas
do capitalismo humanitário, seu medo do povo. Nenhuma novidade.
Jorge Furtado
jfurtado@portoweb.com.br