OSCAR DE MELHOR DOCUMENTÁRIO
discurso de Michael Moore ao receber o prêmio
entrevista fornecida logo após a premiação
"Convidei meus colegas documentaristas para estarem comigo aqui no palco em solidariedade, porque nós todos gostamos de não-ficção, e nós vivemos em um tempo de ficção. Nós vivemos em um tempo em que resultados fictícios de uma eleição proclamam um presidente fictício. Vivemos em um tempo em que esse homem nos leva a uma guerra por razões fictícias, enquanto nos oferece a ficção da fita de vedação e do alerta laranja. Nós somos contra essa guerra, Sr. Bush. Tome vergonha, Sr Bush. Tome vergonha na cara."
Michael Moore, 44 anos, documentarista norte-americano, recebeu em 23/03/2003 o Oscar de Melhor Documentário por seu filme "Bowling for Columbine" (no Brasil, "Jogando boliche por Columbine"). Ao ser chamado, chamou ao palco todos os outros candidatos ao prêmio de documentário e deu esse breve discurso, enquanto era vaiado por metade da Academia e aplaudido pelo resto: "I've invited my fellow documentary nominees on stage with us here in solidarity with me, because we like non-fiction and we live in fictitious times. We live in the time where we have fictitious election results that elect a fictitious president. We live in a time where we have a man who's sending us to war for fictitious reasons, whether it's the fiction of duct tape or the fiction of orange alerts. We have a man sending us to war for fictitious reasons. We are against this war, Mr. Bush. Shame on you, Mr. Bush, shame on you."
a entrevistaJORNALISTA - Você fez a maior cena de uma cerimônia do Oscar. Você conseguiu o que queria? E por que fez isso?
MICHAEL MOORE - Sou um americano.
JORNALISTA - (risos) Só isso?
MICHAEL MOORE - Isso é muito.
JORNALISTA - Nunca houve uma reação assim...
MICHAEL MOORE - Eu sou um americano e você não deixa sua cidadania do lado de fora quando entra no Teatro Kodak. O que os Estados Unidos têm de bom é o direito de expressão. E é isso que eu faço nos meus filmes, na minha vida. Eu gostei da reação. (Irônico). De repente, as luzes se apagaram e.. oh, meu deus! Michael está caído no chão!
JORNALISTA -(risos) Metade das pessoas queriam te carregar nos braços. A outra queria te malhar...
MICHAEL MOORE - Não foi isso o que eu vi. Eu vi o público se levantar e aplaudir. Aplaudir um filme que mostra como somos manipulados pelo medo e como criamos esta cultura da violência em nosso país. Violência em casa, violência no exterior. Nós americanos matamos muitas pessoas. Matamos mais do que qualquer outro país neste planeta. E qual a lição que ensinamos às crianças de Columbine (escola retratada em seu filme onde dois alunos mataram alunos e estudantes) esta semana? Que a violência é um meio aceitável para resolver um problema, um conflito.
JORNALISTA - E as vaias depois dos aplausos?
MICHAEL MOORE - Eram meus parentes e amigos (risos dos jornalistas). Pedi que eles vaiassem para mostrar que este é um país com diversidade de opiniões.
JORNALISTA - Você não acha que o país está dividido?
MICHAEL MOORE - O país está unido. Os americanos não querem ver seus jovens mortos. Nós queremos que eles voltem para casa salvos. A maioria dos americanos nunca votou naquele cara que está na Casa Branca. E continuarei falando isso até que ele saia de lá. Nossa democracia foi seqüestrada. Me chamem de louco, me chamem de americano... Mas, para mim, cada pessoa vale um voto. E você tem que contar todos os votos!
JORNALISTA - Você tem medo de entrar para a lista negra de Hollywood depois disso?
MICHAEL MOORE - Eu não trabalho para Hollywood. Sou patrocinado por canadenses e outros que não moram aqui (risos). Mas foi Hollywood que votou por este prêmio. E que se levantou para aplaudir quando o prêmio foi anunciado. Já houve uma outra reação assim esta noite? (Irritado). Não digam que houve uma reação dividida só porque cinco pessoas vaiaram alto. Façam seu trabalho. Digam a verdade. A maioria dos americanos é contra a guerra e não é a favor da política de Bush.
JORNALISTA - Você acha que a cerimônia deveria ter sido cancelada ou foi uma boa plataforma?
MICHAEL MOORE - Acho que foi importante ter o Oscar. Não é por isso que estamos lutando? O american way of life? O que pode ser mais americano do que o Oscar?! Eu acho que temos que ter o direito de nos expressarmos. Quando cheguei aqui, percebi que alguns repórteres tinha uma credencial diferente. Perguntei por que e um deles sussurrou: falaram que não poderíamos fazer perguntas. Mas devemos ser livres para perguntar o que quisermos e falar o que quisermos. Esta é a beleza deste país.
JORNALISTA - Você acha que os EUA estão lutando pelo american way of life?
MICHAEL MOORE - Não. Eu estava sendo sarcástico. Bush está lutando pelos seus amigos e pelo petróleo. É imoral.
JORNALISTA - E as razões fictícias das quais você falou?
MICHAEL MOORE - A razão fictícia é que Saddam Hussein vai te matar esta noite. Isto é ficção. A não-ficção é que o Iraque está sendo atacado por causa do petróleo. E por que eles não dizem isso? Outro dia, num discurso, ele quase disse isso quando falou "não queimem os poços de petróleo". Pensamos que ele ia completar: "não queimem porque é nosso!". Mas ele não disse...
JORNALISTA (ESTRANGEIRO) - Estou assistindo os noticiários desde que cheguei aqui. E parece que os roteiristas de TV são pagos pelo Pentágono. É pura propaganda!
MICHAEL MOORE - É. Parece que estas foram as duas primeiras horas que não tivemos militares fazendo análises e comentários na TV. Eu quero que os militares tirem suas tropas da CNN, da ABC, da Fox, da CBS. Queremos a verdade!
JORNALISTA - Até as pessoas que concordam com você podem, amanhã, dizer que você estragou a festa. O que você acha disso?
MICHAEL MOORE - Não acho isso. Eu mostrei como é vital ter liberdade de expressão. Estou nisso há muitos anos. Meu livro é o número um da lista dos mais vendidos neste país. ("Stupid white men" é um livro sobre George W. Bush e é um best-seller nos EUA). Quando, supostamente, Bush está cheio de popularidade... E quem votou em mim sabia que eu não iria fazer um discurso agradecendo agentes e advogados. Sou uma pessoa sincera. E amo o cinema acima de tudo. Estou honrado em receber este prêmio. Vocês também trabalham com não-ficção. Trabalham pela verdade. Façam isso. Eu amo o meu país.
Entrevista coletiva de Michael Moore, logo depois de receber o Oscar. Leia também a carta que Michael Moore enviou a George W. Bush em 17/03/2003