ITENS ENVIADOS (9)
por Giba Assis Brasil
para Mariana C 11/01/2003Não gosto nem um pouco da idéia de "filme livre". Lembra a época da Guerra Fria, em que o mundo capitalista se autodenominava "mundo livre" para se opor ao bloco "não livre". Particularmente, eu prefiro a ironia do Nei Lisboa, quando diz que "o presidente dos Estados Unidos / defende o mundo livre do mundo preso, / e prende todo mundo que for preciso / pra não deixar o presidente indefeso". Meu conceito de liberdade é bem mais complexo que essas dicotomias que tentam aprisionar o que seria "livre" de um lado e o "não livre" do outro. Não sei se o "Deu pra ti" é um "filme livre", mas sei que foi o meu salário da época, de auxiliar de plantão esportivo na rádio Gaúcha, que pagou a minha parte dos custos.
para Marcel Ramone 31/01/2003Não sei se eu lembro do que eu escrevi sobre Raul Seixas e anarquismo. Mas talvez eu tenha dito que não concordo com as idéias dele sobre anarquismo (acho que era no textinho sobre "Eu sou egoísta", né?), não que eu não concorde com o anarquismo em si. Na verdade eu não concordo mesmo (ou concordo discordando, ou vice-versa), mas aí é outra história. De qualquer maneira, Raul não é o único a se dizer anarquista e fazer a defesa do individualismo extremo. E que critério se pode usar pra definir um anarquista senão o fato de o cara se declarar anarquista? Não existe uma "carta de princípios" anarquista universal, que seja aceita por todos os grupos. Aliás, se existisse, já não seria de anarquismo que falamos. Ou não?
para Luciana Rodrigues 03/02/2003Tudo o que você já ouviu falar de bom a respeito de ter filhos é verdadeiro, e o que você ouviu falar de ruim... bem, também é verdadeiro, mas não é tão importante. Nada te realiza tanto: nem sexo, nem a consciência da luta de classes, nem a auto-satisfação profissional (e possivelmente também nem a experiência mística nem o fato de ter muito dinheiro, mas desses eu só posso falar teoricamente), nada te liga com tanta intensidade ao resto do mundo. De repente, você passa a ter assunto com qualquer motorista de táxi, com qualquer pessoa na fila do banco, com qualquer afegão ou burquinabês, de hoje ou de outra época, pra frente ou pra trás. E isso que eu sou apenas um pai, tudo indica que ser mãe é bem mais intenso.
para Ruy Gardnier 05/02/2003Meus projetos e objetivos como realizador? Nenhum. Mas essa resposta é incompleta. Eu realmente não me interesso mais em ser "realizador", no sentido de voltar a dirigir filmes. Mas me considero um co-realizador de (quase) todos os filmes de que participo. Uma das boas coisas que há em ficar velho (existem outras não tão boas, e algumas péssimas) é que a gente descobre o que sabe fazer bem feito, e o que não sabe fazer de jeito nenhum. Eu descobri que trabalho melhor a partir de idéias dos outros, trabalho com muito rigor e um pouco de talento pra melhorar boas idéias, pra conseguir extrair o melhor possível delas. Meu objetivo, portanto, é continuar trabalhando com bons realizadores, e que eles tenham boas idéias pra gente aperfeiçoar juntos. Idéias que nos ajudem, um pouquinho que seja, a compreender melhor o mundo e seus habitantes, que afinal é pra isso que a gente vai ao cinema.
para Carlos Alberto de Mattos 19/02/2003Se o cinema feito fora do eixo Rio-São Paulo teria uma identidade estética e uma gramática especiais? Não acredito. Acho que o cinema brasileiro feito "fora do eixo" é necessário por questões de respeito à diversidade (sem as quais restaria apenas a lógica do mercado, que não justificaria sequer o cinema brasileiro feito no Rio ou em São Paulo). Já seria muito tentar encontrar uma estética "gaúcha" ou "pernambucana" (coisa que eu desisti de procurar há alguns anos), menos ainda uma que unificasse todas essas iniciativas isoladas, ainda que com um programa comum - um programa muito mais de produção, de agitação cultural do que propriamente com preceitos estéticos. Só a descentralização justifica a existência do cinema brasileiro. Neste sentido, a própria criação de uma "Academia Brasileira de Cinema" seria um anacronismo, ou um contra-senso, ou ambos.
para Márcia Stockmans 19/02/2003Eu não enlouqueci. O tal filme sobre história da arte com imagens de 1 fotograma existe. Foi feito por um cara chamado Dan McLaughlin. É mais antigo (1956) e mais curto (4 min) do que eu imaginava, mas existe. E o nome não podia ser mais óbvio: "Art". Precisei colocar vários amigos meus (especialmente o Roberto Tietzmann, que dá aula na Unisinos) na busca, mas enfim achei.
para Marcel Dumont 21/02/2003Realmente muito triste isso. Legal que, no enterro, na hora de fechar a tampa da gaveta aquela, com todo aquele bando de gente sem saber o que dizer ou fazer, alguém teve a excelente idéia de pedir uma salva de palmas pro Palese. Seguiram-se uns quatro ou cinco minutos de aplausos. Foi bonito, emocionante, inusitado e (pelo menos um pouquinho, bem pouquinho) compensador.
para Nara Filippon 26/02/2003Tudo pode mudar. A Zero Hora, que ignorou solenemente o 1º Fórum Social Mundial e até noticiou que havia um pessoal meio estranho em Porto Alegre no 2º, agora, no 3º, elogiou o "pluralismo" do evento (que o Barrionuevo atribuiu à eleição do Rigotto, veja só) e chegou a publicar uma espécie de "roteiro sexual" pras menininhas portoalegrenses que quisessem aproveitar a ocasião pra agarar um maridão europeu.
para Patrícia Leão 18/03/2003Obrigado pelo convite. Mas eu sou a pior pessoa pra fazer o que você está querendo. Não vi a maioria dos filmes que estão concorrendo ao Oscar, se vi não sei em que categorias estão concorrendo, não assisto à entrega do Oscar há mais de 20 anos e não me interesso nem um pouco pelos seus resultados. Acredite ou não, eu tenho muito interesse por cinema, que afinal é o meu trabalho, mas não sei do que se trata essa festa brega que Hollywood faz todos os anos pra si mesma, e que tanta gente gosta de assistir.
para Jailton Moreira 24/03/2003"Sessão das dez", como a gente sabe, é um disco de um grupo que se formou apenas para o disco, e que se chamava "Sociedade da Grã-Ordem Kavernística". Dos 4 membros da "Sociedade", Raul Seixas morreu em agosto de 1989, Sérgio Sampaio em maio de 1994, Miriam Batucada em julho de 1994... E o Edy Star? Esse cara ainda tá vivo? Onde? Dei uma pesquisada no Google e achei uma referência razoavelmente atual: em http://www.aloca.com.br/grindzine/25/slidemenu2.html diz que o Edy Star virou travesti e é gerente de uma boate em Bracelona desde 1992. E mais: que ele "está escrevendo um livro sobre os reis gays da história universal". Fantástico.
para Christian Caselli 15/06/2003Diferencial da Casa de Cinema? Acho que a gente tem 20 anos de estrada, que a gente nunca deixou de ter respeito pela inteligência do público e que, por outro lado, também seguimos fiéis aos nossos próprios imaginários. Ou seja: não fazemos "o que o público quer", mas também não fazemos "o que nos dá na telha". Pode ser uma qualidade ou um defeito, depende do ponto de vista, mas provavelmente é um diferencial. Acho que em geral a gente procura se divertir no trabalho, o que de alguma forma se reflete nos filmes prontos.
para Milton do Prado 19/06/2003Uma vez o Jailton Moreira (meu amigo, vizinho e artista plásitco) me disse que a diferença entre o pessoal dos anos 60 e os "experimentais" de hoje era mais ou menos o seguinte: tanto uns quanto outros poderiam pegar um sabonete no supermercado, colocar num pedestal e dizer que aquilo era uma obra de arte. Mas, se um funcionário da galeria por acidente jogasse o sabonete fora, os caras dos anos 60 comprariam outro sabonete e o substituiriam; os de hoje iriam pra imprensa esbravejar que a sua "obra" tinha sido destruída (e ele estava falando de um caso concreto, cujos detalhes eu infelizmente não lembro). Ou seja: parece apenas uma questão de fetiche, mas não é; trata-se, no fundo, de compreensão histórica, de inteligência.
para Caroline Andreis 19/06/2003Bom, conhece a piada dos ratinhos na cinemateca? Estavam dois ratinhos comendo restos de filmes numa cinemateca. Aí um pergunta: "gostaste deste filme?" e o outro responde: "prefiro o livro". Acho difícil uma adaptação literária que não gere este tipo de comentário. Tanto Hitchcock quanto Godard (difícil imaginar dois cineastas mais diferentes) diziam coisas parecidas sobre adaptações: vale adaptar livros pelas histórias que contam, por uma idéia de personagem, por situações que eventualmente sejam cinematográficas, mas nunca pela sua qualidade literária; bons livros, boa literatura, diziam ambos, raramente vai dar bons filmes.
para Saturnino Rocha 04/07/2003É muito bom ser o melhor barbeiro da rua, ainda mais sabendo que o outro não consegue mais caminhar mancando até a esquina.
para Luiz Fernando Lima 07/07/2003Uma vez eu tentei escrever um resumo de uma história do cinema de acordo com os momentos em que as novas tecnologias tornaram ele mais acessível (=mais democrático) ou, ao contrário, mais elitizado (=mais concentrador). Por exemplo, o surgimento do som no final da década de 20 não acabou com o cinema brasileiro, mas concentrou no Rio e São Paulo as experiências de "ciclos regionais" da década anterior. Foi, portanto, um momento elitizante. As câmaras mais leves e ágeis inventadas pelo exército alemão para documentação da guerra, e os gravadores de som portáteis surgidos nos anos 40 possibilitaram o surgimento do neo-realismo italiano, da nouvelle vague francesa e dos cinemas novos = momento democratizante. A grande "pergunta de 64 dólares" é: e a tecnologia digital, vai pra que lado? As câmaras baratas e os sistemas de edição caseiros indicam claramente que ela caminhe no sentido da democratização do uso, mas a projeção digital parece apontar o caminho contrário. E agora?
para Lisie Ane Santos 10/07/2003Segundo o Houaiss, na maioria das acepções, o verbo OLHAR pode ser transitivo direto ou indireto. No sentido mais comum, de "dirigir os olhos para", pode ser transitivo direto (olhando as luzes), indireto (olhando para as luzes) ou ainda pronominal (olhando-se no espelho). Quando significa apenas "exercer o sentido da visão", é intransitivo (olhe antes de atravessar a rua). É necessariamente transitivo direto quando significa "consultar" (teve que olhar o dicionário para entender a frase). E necessariamente transitivo indireto no sentido de "interessar-se, ocupar-se intensamente" (Deus olha por nós). Se bem que, provavelmente, ele olha mesmo é pelo Paulo Coelho.
para Espartaco Madureira Coelho 27/08/2003"Inclusão digital", é? Sei... Ou isso é papo de proctologista, ou é viadagem mesmo.
para Casa de Cinema 04/09/2003Sempre ouvi falar que um presidente norte-americano (Roosevelt?) teria decretado a importância estratégica e econômica do cinema nos termos "onde vão nossos filmes, também vão nossos produtos". Nunca consegui encontrar a verdadeira origem dessa suposta frase. Bom, no seu discurso no encerramento do Festival de Gramado, Gilberto Gil cita a mesma idéia de outra forma, mais cultural e militar, civilizacional mesmo, no que seria "a estratégia dos três efes: 'flag follows films', ou a bandeira acompanha os filmes". Achei o máximo, e fui pro Google atrás da origem dessa frase. Surpresa: em 3,3 bilhões de páginas catalogadas, apenas uma menciona a expressão "flag follows films": o sítio do MinC, o discurso do Gil em Gramado. E agora?
para S.Varela 01/10/2003Entendo a crítica como potencialmente tão importante quanto a criação. Não é por acaso que as duas palavras comungam a mesma raiz etimológica. O crítico, quando verdadeiramente crítico, cria idéias, leva essas idéias para o debate público, põe em crise o senso comum. Pena que isso aconteça tão raramente hoje em dia. Se eu acho que a crítica de cinema deveria recuperar o espaço perdido nos jornais? Não só a crítica de cinema, que cada vez mais tende a ser um apanhado de resenhas ou de achismos não-contextualizados. A crítica literária, de teatro, de arte, de publicidade, de cultura em geral, da política, de educação, de idéias, do jornalismo e mesmo a crítica da crítica deveriam, sem dúvida, ocupar mais espaço do que hoje ocupam nos nossos grandes jornais. Mas a lógica dos meios de comunicação é outra.
para Zeca Pires 21/10/2003Como dizia um amigo meu, "tamos aí, na luta", frase que não quer dizer nada e no fim diz tudo. "Tamos aí" porque, onde quer que estejamos, não deixa de ser "aí". E "na luta" porque, como dizia Gonçalves Dias, "viver é lutar", o que significa que quem não tá na luta já morreu - aliás, o caso do próprio Gonçalves Dias e também do meu amigo que dizia essa frase, Sérgio Metz, poeta e contista dos bons, e que não tá mais na luta. Aliás ele não era assim tão "meu amigo", era só um cara que eu encontrava de vez em quando e que eu admirava, e que volta e meia dizia uma frase que eu achava interessnte. Se bem que certamente não foi ele quem inventou essa frase, de resto absolutamente banal, e que todo mundo diz sem pensar muito no sentido dela, o que não é o meu caso nesse momento, mas que seria bastante recomendável e ponto final.
para Shala Felippi 05/11/2003Por exemplo, quem foi que escreveu "Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua do anjos, sem amor eu nada seria"? Procura na internet e mais de 400 páginas vão te dizer que foi o Renato Russo. Só em duas ou três páginas tu vai encontrar que a frase (e outras mais) foi copiada da Bíblia, mais especificamente da "Epístola aos Coríntios", de São Paulo. Por isso é bom sempre ir em busca da contraprova. E não ter encontrado não é prova de que ela não exista.
para Luciana Penna 26/11/2003Comigo, esses tempos, aconteceu uma fantástica. Um jornalista me mandou um e-mail querendo me entrevistar sobre "de onde eu tirava inspiração para os meus livros sobre a história dos negros no Rio Grande do Sul". Depois do susto inicial, perguntei se o cara não estava me confundindo ao mesmo tempo com o escritor Luis Antônio de Assis Brasil e com o músico e ativista do movimento negro gaúcho Giba Giba. Era isso mesmo.
Giba Assis Brasil
giba@portoweb.com.br
Para completar a coleção:
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